05
de janeiro de 2006
Curtis
Hanson, cineasta norte-americano de padrão
industrial, é um atento aluno dos recortes
do plano cinematográfico elaborados de maneira
original pelo inglês Alfred Hitchcock e pelo
francês François Truffaut. Já durante
a apresentação dos créditos
iniciais, ao intercalar imagens que fragmentam o
espaço e os corpos em cena, seu filme Em
seu lugar (In her shoes; 2005) revela uma inquietação
estilística que recupera aquela capacidade
do cinema americano da década de 70, apesar
das concessões hollywoodianas de então
bastante à frente das obviedades de hoje.
O
roteiro de Hanson, extraído dum romance
de Jennifer Weiner, acompanha a trajetória
conflituada do relacionamento de duas irmãs,
uma mais jovem e irreverente, outra mais madura e
comportada; Hanson lida bem com os estereótipos,
dando-lhes uma certa agitação viva
que vem de sua habilidade de diretor, mas também
da notável adequação do elenco:
nunca a beleza de Cameron Diaz foi usada com tanto
senso cinematográfico; Toni Colette compõe
com rigor seu tipo; mas é a veterana Shirley
MacLaine quem, na pele da avó que se aproxima
das duas netas tentando juntá-las depois do
rompimento por causa de um homem, é ela, Shirley,
quem vai iluminar cada quadro em que aparece: a travessa
Shirley de vinte anos ao estrear no cinema em O
terceiro tiro (1955), de Alfred Hitchcock, ainda pode ser
descoberta por trás do rosto marcado e das
mãos enrugadas desta grande dama de Hollywood;
se querem saber, eu me ajoelharia diante dela, não
de Cameron.
O
aprendizado emocional das personagens é o
dado básico do filme. A personagem de Cameron,
ao sair em busca da avó perdida, descobre
o valor da velhice, por exemplo, na figura dum velho
professor que, no asilo e à beira da morte,
a faz ler para ele. Na primeira vez em que ela está a
ler para o professor, é um volume de poemas
de Elizabeth Bishop, a poetisa americana que nos
anos 50 traduziu para o inglês o livro Minha
vida de menina (1942), de Helena Morley, recentemente
transformado em filme por Helena Solberg. Este dado
aproxima uma descontraída crônica brasileira
de interior da produção familiar ianque
da sofisticada indústria.
Pode-se
reprovar a Hanson tão-somente uma
excessiva dose de açúcar no encaminhamento
das soluções finais para os complexos
conflitos das duas irmãs. Mesmo assim, Em
seu lugar está longe de outras mistificações
em que Hollywood esbanja confiança na ingenuidade
do público.
Por
Eron Fagundes