DEVANEIOS DE UM HOMEM SEM INTERESSE
 

 

09 de maio de 2008

Mais do que nunca, o canadense Denys Arcand se impõe como um pensador de cinema encarcerado nas teias nada lisonjeiras dos tempos atuais. A era da inocência (L’âge des ténèbres; 2006) pinta um retrato engasgado de um mundo de desesperanças. O protagonista, Jean-Marc Leblanc, é o homem medíocre desta época medíocre; sonha com ser um escritor e escrever um livro chamado “Um homem sem interesse” (vaga referência de Arcand ao “homem sem qualidades” do romancista alemão Robert Musil; a outra alusão literária significativa dentro do filme é quando a imagem mostra em primeiro plano a capa de um livro do poeta português Fernando Pessoa que o protagonista está lendo), mas o próprio Jean-Marc é o homem cuja vida desinteressante o leva a ter devaneios de grandeza: um grande escritor, um grande político, um grande empresário, um gladiador ao modo dos tempos romanos, tudo marcado pela satisfação da fama e do sexo, que despencam sobre o indivíduo que chegou a estas grandezas.

A era da inocência é uma narrativa cinematográfica bastante irregular. Sem abdicar do universo culto e literário a que está habituado, Arcand busca uma sátira alegórica, como aquela de Jesus de Montreal (1989); sem o rigor criativo deste filme e sem a densidade dramática de O declínio do império americano (1986) e de As invasões bárbaras (2003), o novo Arcand esbarra numa comicidade arquetípica e estática, tornando-se rude demais para um cineasta de tanta sutileza; os melhores momentos de A era da inocência não são os satíricos, mas aqueles provocativamente dramáticos.

Cronista de um tempo em que pouca coisa funciona (os hospitais infestados de bactérias, as escolas perigosas, o trânsito violento, as agressões em família), Arcand segue fazendo seu cinema pessoal. Se A era da inocência pode não ser o topo, é ainda algo digno de reflexão.

Por Eron Fagundes

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