REFINAMENTOS ESTÉREIS
 

 

07 de novembro de 2005

Filme em três episódios dirigidos, pela ordem, por Michelangelo Antonioni (italiano), Steven Soderbergh (norte-americano) e Wong Kar-Wai (chinês), Eros (2004) foge naturalmente ao padrão comercial do cinema; as inquietações peculiares a cada um destes autores e o rigor formal pertubadoramente plástico que atravessa os planos e a montagem destes realizadores que se assemelham e se desassemelham formam o liame das três histórias que compõem a película. Mas Eros decepciona: o formalismo de Antonioni, a fluência experimental de Soderbergh e a apaixonante imagem de Kar-Wai já renderam coisas muito melhores ao cinema e aqui, em Eros, tudo parece muito estéril, glacial e superficial.

Antonioni abre Eros com O perigoso encadeamento das coisas, extraído de excertos de roteiros não filmados publicados em livro em 1983 pela Giulio Einaudi editore. Diz uma das anotações do livro: “De início um diálogo, breve, durante o qual se esclarece uma situação de ruína dissimulada por ambos os cônjuges. O hábito de sempre, a pena de sempre. Mas agora finalmente – por acaso — começam a se abrir, a mulher quer ir até o fim.” Parece que é por aí que entra a atmosfera de O perigoso encadeamento: Antonioni debruça-se novamente sobre a crise do casal, assunto em que ele atingiu o pico em sua famosa trilogia da incomunicabilidade, rodada entre o fim da década de 50 e os primórdios da de 60; inegavelmente a lentidão narrativa de Antonioni não deixa de impor-se por sua beleza plástica, mas logo o espectador dá-se conta do gelo estéril das imagens, da futilidade do gesto de um cineasta de fato genial mas longe, extremamente longe de seu apogeu. A trama de Antonioni (o casal maduro e a garota mais jovem com quem o homem se envolve) envereda por aquelas linhas sutis em que o francês Eric Rohmer, outro gigante, se tem saído melhor ultimamente.

Depois vem Soderbergh com seu Equilíbrio: a câmara vaga do cineasta, a ambientação cinza do preto-e-branco no consultório psicanalítico, as cores fugazes que abrem e fecham a narrativa –tudo revela o dom de experimentar do cineasta, cuja carreira tem alternado produções descaradamente comerciais e tentativas autorais; mas novamente este selo de algo de encomenda para um longa-metragem em episódios vai jogar o realizador num campo estéril.

A esterilidade não deixará de marcar o mais bonito dos três episódios, A mão, dirigido pelo chinês Wong Kar-Wai. Gong Li é a estrela do filme, vivendo uma cortesã que desestrutura a timidez dum alfaiate; ela foi a intérprete essencial e a musa duma fase da filmografia do grande cineasta chinês Zhang Yimou (Lanternas vermelhas, 1991; A história de Qiu Ju, 1992), e todos sabemos que sensualidade e rigor emocional compõem sua extraordinária estética interpretativa. Ela carrega boa parte do ritmo narrativo de A mão; mas não evita que os maneirismos visuais de Kar-Wai descambem para soluções estilísticas fáceis e sem força dramática.

Para os brasileiros, uma curiosidade adicional. Caetano Veloso, um de nossos cantores mais populares, que já fora visto cantando em cena em Fale com ela (2002), do espanhol Pedro Almodóvar, canta, na faixa musical de Eros, a canção “Michelangelo Antonioni”, que aparece sempre que um episódio termina e começa outro.

Por Eron Fagundes

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