Não creio que Estrada para perdição (Road to perdition; 2002), o segundo filme que o inglês Sam Mendes realiza em Hollywood, seja a obra marcante que dizem. Como ocorria em Beleza americana (1999), Mendes oscila entre algumas ousadias e um bocado de convenções; trata-se duma espécie de faroeste tardio, bonito, fotografado em imagens esplendorosas, mas que, em sua arrastada linguagem clássica americana, não foge ao padrão a que se destina.
Narrado em primeira pessoa pelo garoto que é filho do gângster vivido por Tom Hanks, Estrada para perdição busca alguma reflexão sobre as relações entre pais e filhos, aduzindo questões de honra e de vida. Cheio de uma contida violência, o filme de Mendes estabelece-se mesmo numa espécie de poesia visual que é o seu melhor atributo.
Beleza americana simplesmente. Sem grandes novidades. Acresce-se que o veterano Paul Newman é como sempre uma aula de interpretação.
Outro diretor norte-americano, Neil LaBute, tem chamado a atenção dos cinéfilos com obras bastante conversadas e cheias de um frescor do cotidiano que passa à margem do habitual cinema de Hollywood. O estilo cinematográfico do cineasta é capaz tanto de produzir uma obra mais exigente e autoral como Seus amigos, seus vizinhos (1999) quanto uma realização mais concessiva como Enfermeira Betty (2000). Talvez agora, com Possessão (Possession; 2002), um título certamente deslocado, o cinema relativamente literário de LaBute tenha atingido um nível de refinamento ímpar dentro duma proposta de filmagem mais suja e libertina como vinha executando em sua obra anterior; é também por aqui que o americano LaBute pousa o olhar de Hollywood sobre uma certa beleza britânica de compor imagens.
Ao ambientar sua narrativa em dois tempos históricos, o presente e o remoto passado do século dezenove, ligando o par de apaixonados de hoje aos apaixonados de outrora, LaBute parece evocar A mulher do tenente francês (1981), de Karel Reisz, que se valia igualmente deste artifício com esta delicadeza meio inglesa que LaBute busca recapturar. Utilizando a palavra e o amor da palavra (a personagem de Gwyneth Paltrow é uma professora de literatura inglesa que investiga a obra duma poetisa que viveu cem anos antes, enquanto seu parceiro americano está às voltas com um poeta contemporâneo da poetisa investigada), valendo-se de imagens naturais cuja beleza se assemelha àquela utilizada pelo francês Eric Rohmer em seus filmes, LaBute compõe uma película tão doce quanto apaixonante de acompanhar.
Por
Eron Fagundes