WILL SMITH É A LENDA
 

 

28 de fevereiro de 2008

Diante de um melodrama futurista tão adequadamente feito para conquistar as impressões sombrias da platéia educada pelo cinema americano, como este Eu sou a lenda (I am the legend; 2007), dirigido com competência formal por Francis Lawrence, o espectador conclui que a estrela do ator norte-americano Will Smith julga ter atingido seu ponto de maior luminosidade. Ao atribuir à personagem de Smith, o doutor e militar Robert Neville, o epíteto de lenda da sociedade americana, é um pouco como se Smith se estivesse atribuindo a característica de lenda viva do universo fílmico americano atual. Smith é um dos bons atores da atualidade, mas em Eu sou a lenda seu estrelismo melodramático compromete um pouco sua atuação; de qualquer maneira, ele logra sustentar sua personagem sem problemas —e é um jogo difícil de interpretação, pois a maior parte do tempo ele tem de contracenar com uma cadela, cenários semidestruídos e vazios de pessoas e alguns monstros que semelham humanos mas só tem violência e ódio para dar.

O que estorva em Eu sou a lenda é seu intenso artificialismo. É também este artificialismo que lhe dá uma substância curiosa —paradoxo. O roteiro está cheio de indecisões e precariedades. Até que começa bem. Mostra como uma descoberta científica boa (a cura do câncer) vai provocar a catástrofe, a criação de um vírus que destruirá quase inteiramente a humanidade. Mas lá pelas tantas a história não sabe o que fazer com Smith e o nada que o cerca. Aí surgem os monstros de horrível aparência humana e violentos; então o filme envereda por uma paródia bastante ridícula de narrativas de mortos-vivos; a coisa transparece como um pastiche fora-de-tom do mestre do gênero, o cineasta norte-americano George A. Romero. No final, o surgimento duma garota (vivida pela brasileira Alice Braga, sobrinha de Sônia Braga e vista no filme brasileiro Cidade baixa, 2005, de Sérgio Machado, e na produção internacional Só Deus sabe, 2006, do mexicano Carlos Bolado) e um menino parece mais um artifício fracassado para compensar a solidão de espaços da personagem central. Mais que tudo, o sacrifício final da criatura de Will Smith soa hiperbólico e constrangedoramente hipócrita para um “herói do cinema” como o ator Smith.

Se Smith quer ser mesmo uma lenda do cinema americano, este filme, baixada a poeira do fascínio imediato que possa exercer sobre as platéias da hora, não deve ajudá-lo muito.

Por Eron Fagundes

| topo da página |