O CINEMINHA DIANTE DO CINEMÃO
 

 

15 de agosto de 2006

O olhar cinematográfico exigido pela produção norte-americana Eu, você e todos nós (Me and you and everyone we know; 2005) provoca uma imediata estranheza no espectador  educado pela megalomania visual do cinema de sempre. É um filme que torna difusa qualquer referência a um estilo narrativo conhecido: a fragmentação estética da realização e a fragmentação psicológica das personagens  tiram o chão de linguagem do observador, impedindo uma aproximação aos conceitos críticos habituais. A dose de absurdo e de humor negro de Eu, você todos nós é perturbadora.

A cineasta Miranda July é uma artista de videoarte e performance; esta sua formação vai determinar o grafismo de linguagem de seu filme: todos os enquadramentos parecem esculturas-imagens, apesar de muitas vezes o andamento das situações derivar para aparências mais convencionais de narrar, como se o cineminha se valesse de um braço do cinemão –aí surgem os momentos mais tediosos deste olhar tão sensual quanto terno sobre as possibilidades dos sentimentos na época das distanciadas relações digitais.

Miranda July é a dona absoluta de seu filme, um exemplo claro da ressurreição do cinema de autor. Ela escreveu, dirigiu e interpretou a protagonista de Eu, você e todos nós. Os aspectos de patético da conduta humana no interior da “selva americana” (selva de pedra, shoppings centers e computadores, não mais de matas) são observados com ironia e melancolia pela realizadora; o sentido ambíguo e truncado dos gestos de tensão amorosa entre Christine (artista e motorista de táxi para idosos) e Richard (vendedor de sapatos) é exacerbado até certos limites por Miranda July, que roda um filme bom de ver, com algumas falhas na condução de seu ritmo, mas que indica um seguro caminho de diretora de cinema.

Por Eron Fagundes

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