O cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que sempre se caracterizou pelo tom escrachado de seus filmes e pela utilização crítica da vulgaridade do mundo, está lentamente amadurecendo seu projeto de cinema, sem perder sua forma pessoal de filmar. Em Fale com ela (Hable com ella; 2002) Almodóvar oferece a seu público uma de suas narrativas mais elaboradamente complexas, chegando a uma surpreendente veia metafísica de seu cinema muitas vezes cômico e desabusamente superficial.
Jogando com a alinearidade das passagens de tempo, inserindo aspectos curiosos e simbólicos de fantasia cinematográfica (um filme mudo surrealista de autoria do próprio Almodóvar interrompe a certa altura o andamento dramático), o realizador põe em cena dois homens estranhos que cuidam de duas mulheres doentes; o efeminado Benigno trata de sua paixão platônica Alicia, vegetando depois dum acidente e que um belo dia aparece inesperadamente grávida e Benigno é preso como possível estuprador dela; o jornalista argentino Marco se enrola como a toureira Lydia e dedica seus dias a ela quando um acidente com um touro a entreva; dos conflitos e das experiências destes quatro seres Almodóvar extrai a beleza ímpar desta sua nova película.
São poucos os filmes, hoje, que se atrevem a virar pelo avesso a linguagem cinematográfica. Como Cidade dos sonhos (2001), de David Lynch, e Lucia e o sexo (2001), de Julio Medem, Fale com ela é uma fala com o espectador mais interessado em experiências formais ousadas.
Para o observador brasileiro, acresce duas homenagens inusitadas. Um de nossos mais conceituados cantores populares brasileiros aparece cantando em cena: o carisma musical de Caetano Veloso é reverenciado por Almodóvar. Ainda na faixa sonora pode-se ouvir a voz inigualável da gaúcha Elis Regina.
Por
Eron Fagundes