06
de setembro de 2005
No
plano de abertura de Feminices (2004)
aparece com sua tagarelice habitual o próprio
diretor Domingos Oliveira. Ele tergiversa sobre a própria
inutilidade de seu gesto, aparecer no frontispício
de seu filme para tentar explicá-lo (reconhece:
afinal, um filme deve explicar-se por si mesmo), busca
seus desvios sofisticados de diálogo com o espectador
ao falar das cores hesitantes da película. O
plano de abertura é sintomático do impasse
do cineasta: talvez ele sinta mesmo que algo está confuso
em seu trabalho, que a narrativa descontrolada sobre
mulheres de quarenta (e na verdade as próprias
atrizes estão falando muito de si mesmas ao
criarem as personagens: Feminices se
esforça por ser um pouco um documentário
da alma feminina, como alguns rodados pelo sueco Ingmar
Bergman, a quem Domingos homenageia lá pelas
tantas num trecho de suas declarações
para a câmara), esta narrativa das quarentonas,
sente o realizador, está perdida: seu quase
documentário sai fora dos trilhos e ziguezagueia
como um bêbado; não aquele bêbado
apaixonante que um dia foi o cinema de Glauber Rocha,
mas um bêbado inoperante; num certo momento,
o cineasta (que vive sua autopersonagem, um diretor
de cinema, de teatro e de televisão) reconhece
que tanto faz fazer um bom ou um mau filme, não
passa mesmo de um filme; Feminices se
desconsola nesta indiferença diante do cinema
e sua autenticidade.
Domingos
pertence a uma geração notável
do cinema brasileiro, aquela de Glauber, Nelson Pereira
dos Santos, Ruy Guerra. Seu primeiro filme, Todas
as mulheres do mundo (1966), marcou uma geração
de admiradores. Revendo seus trabalhos mais antigos,
sabe-se que ele estava longe do nível de seus
melhores contemporâneos. Depois de sua volta
ao cinema com Amores (1997) e Separações (2002),
Domingos voltou a revelar as limitações
de seu cinema, onde as pegadas do francês Eric
Rohmer e do norte-americano Woody Allen funcionam como
sombras; mas é em Feminices que
sua oca conversação perde definitivamente
o rumo.
Por
Eron Fagundes