O FILME-TÉDIO DE BRESSANE
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27 de julho de 2004

 

Dizem os que privam com o cineasta brasileiro Júlio Bressane que ele é o retrato de seus filmes, age na vida assim como age atrás das câmaras: está sempre variando, desconecta as idéias, é um poeta do delírio. Gosto muito de saber que um artista –o verdadeiro, o mais pessoal—é mesmo uma imagem de sua obra, ou o contrário.

Bressane pode não ser exatamente o maior realizador vivo do Brasil, mas é nosso diretor de cinema mais autoral e original. Filme de amor (2003), com todos os percalços narrativos que arma para o espectador, comprova esta assertiva.

Com a sempre criativa fotografia de Walter Carvalho, em que se alternam meio aleatoriamente um fosco preto-e-branco e cores descoloridas, o novo Bressane é uma dissertação literário-filosófica sobre a carnalidade humana. Um plano interior de um trem vazio parece ser um pouco o símbolo desta exasperante experimentação do cineasta: Filme de amor é um filme de formas em que o conteúdo submerge no delírio estilístico; metáfora: os vagões vazios, o filme-vazio, o filme-tédio. No início do filme as três personagens (um homem e duas mulheres) conversam, mas o que fica na faixa sonora são ruídos diferentes dos de suas vozes, que aparecem murmuradas e só a espaços captamos algumas palavras. No plano subseqüente ao dos vagões vazios, um longo plano fixo de uma vagina depilada se apresenta insistentemente ao observador; outro signo do formalismo, uma genitália que se despoja dos pêlos para ficar em sua essência formal.

Cheio de referências e citações, abusando do tom recitativo dos atores, Filme de amor começa e termina com a imagem do mar, no começo as três personagens se acariciam eroticamente, no fim vemos de longe banhistas, mas em ambos os casos é o som das ondas que ouvimos. A presença do mar (imagens praticamente não-diegéticas) remete nossa memória a um dos mais belos filmes de Bressane, Miramar (1997).

Por Eron Fagundes