OS PROBLEMAS NARRATIVOS
 

 

08 de dezembro de 2006

O norte-americano Darren Aronofsky é um cineasta audacioso: estica seus braços cinematográficos para um espaço demasiadamente elástico para suas possibilidades artísticas vistas até hoje. Navegando pelas pretensões de ruptura de linguagem e explosões verbais à maneira do francês Jean-Luc Godard (olhem como sou inteligente, parece dizer a cada plano o realizador), pela opulência de imagens de certos filmes do russo Andrei Tarkovsky e pelas preocupações espirituais do sueco Ingmar Bergman (que  em Aronofsky soam pretensiosas e artificiosas), bem se vê que este jovem autor americano corre o risco de extrapolar de seus limites seguidamente. Fonte da vida (The fountain; 2006) é o terceiro trabalho de Aronofsky e de longe o mais desequilibrado e o mais aborrecido, embora Pi (1998) e Réquiem para um sonho (2000) também tivessem estas desajustadas características; ao procurar o centro de uma realização tão disparatada quanto Fonte da vida, topei com aquela árvore e aquela seiva branca que surgem no seio de imagens imponentes; é como se Aronofsky quisesse aludir à árvore da vida que Bergman põe numa cena de O sétimo selo (1956), e aí fica clara que a profunda transparência filosófica de Bergman colide com o jeitinho superficial e modernoso de Aronofsky.

O problema central de Aronofsky é de ordem narrativa. Ele filma mal seus transes intelectuais e espirituais. Mesmo aquele cinema que denominamos não-narrativo, exige capacidade narrativa do realizador; é com esta capacidade que o cineasta envolve o espectador. Em 2046 (2004) o chinês Wong Kar-Wai executa tantos ou mais quebra-cabeças que Aronofsky em Fonte da vida; a diferença está no senso de cinema de Kar-Wai, senso de cinema que se esboroa diante daquilo que se vê em Fonte da vida, uma vertente de onde brotam três histórias cuja ligação entre si é um tanto quanto forçada. A liberdade do espectador (a de sua memória) permite pensar em clássicos como Elisa, vida minha (1977), do espanhol Carlos Saura, onde umas sobreimpressões das personagens uma sobre as outras são executadas com uma simplicidade bastante além da obscuridade manca de Aronofsky, e especialmente A mulher do tenente francês (1981), do inglês Karel Reisz, onde se permutam a história de um grupo de atores que está filmando e a história de época que eles estão filmando, sem as perplexas confusões de Fonte da vida.

Na verdade, Fonte da vida é um grande sonífero cinematográfico; só os cinemaníacos mais resistentes logramos extrair alguma vida desta árvore sem vida e desfolhada que Aronofsky colocou na praça.

Por Eron Fagundes

| topo da página |