UMA AVENTURA FEMININA NO FUTEBOL DO IRÃ
 

 

10 de dezembro de 2007

A densidade cinematográfica do cineasta iraniano Jafar Panahi volta a ditar a composição de um filme em Fora do jogo (Offside; 2006), uma inusitada aproximação a um tema caro à faceirice brasileira, o futebol. De uma certa maneira, o novo Paanahi é um retorno à singeleza documental que gerou o primeiro filme de Panahi que aportou por aqui, O balão branco (1995), uma obra-prima; esta simplicidade e ao mesmo tempo agudeza de filmar não deixou de existir na seqüência da filmografia do realizador, mas em trabalhos como O espelho (1997), O círculo (2000) e Ouro marfim (2003) há uma sofisticação da linguagem que altera um pouco este realismo sempre presente; neste aspecto, Fora do jogo é uma volta ao despojamento básico, primitivo, para captar a vida em bruto, sem mistificações.

De que vida se trata em Fora do jogo? Fiel a uma visão bastante crítica das condições da mulher na sociedade iraniana (visão que atravessa todo o processo de trabalho de Panahi em cada um de seus filmes), o diretor insta no papel arcaico e submisso da personagem feminina no contexto de seu país. É esta sutil referência que pode expandir o interesse de um filme como Fora do jogo para além da paixão do futebol. Mas para bem executar a transparência desta alegoria política (a situação da mulher numa sociedade machista a partir da situação de algumas jovens torcedoras de futebol), Panahi capta com extrema fidelidade os delírios apaixonantes duma torcida de futebol —a festa final que ele capta documentalmente, apesar de ser bem iraniana, nada deve em emoção a uma festa que se filmasse no Brasil, o chamado país do futebol, quando hoje o futebol é na verdade uma linguagem bem universal e não somente brasileira.

A trama é, como usa ocorrer em narrativas do cinema iraniano, bastante simples. Tudo se passa em 2005, antes, durante e após o jogo que levou a seleção de futebol iraniana à Copa do Mundo de Futebol na Alemanha em 2006. No início do filme um senhor, dentro dum táxi (a utilização do carro como elemento de linguagem, algo aprendido por Panahi com seu mestre, o também iraniano Abbas Kiarostami, diretor de Através das oliveiras, 1994, onde Panahi foi assistente de direção), está procurando por sua neta, que fugiu para ir ao jogo, e chega a entrar em ônibus que se dirigem ao estádio para localizá-la. Sabe-se que no Irã as mulheres não podem ir a um estádio de futebol, considerado um esporte para ser visto por machos. Uma adolescente se disfarça (e mal) para tentar entrar no estádio, mas é barrada pelos soldados e vai ter a um recanto à beira do estádio presa com outras adolescentes enquanto se dá a partida. Panahi vai filmando os incidentes com extrema sabedoria e simplicidade: uma garota que pede para ir ao banheiro e depois foge, uma que se vestiu de policial e viu o primeiro tempo nas cadeiras cativas, toda a solta emoção que vai vindo (e envolvendo as prisioneirinhas e os carcereiros) à medida que o jogo se desenrola.

Num momento em que gremistas e colorados discutimos pelo Rio Grande do Sul afora se o melhor filme é aquele rodado para comemorar o campeonato aflito conquistado pelo Grêmio na 2ª Divisão do Futebol Brasileiro em 2005 no Recife ou aquele feito para enaltecer o campeonato mundial a que chegou o Internacional no Japão em 2006, minha alma de cinéfilo reconhece que cinema mesmo é que Panahi faz: sem demagogias, sem falsificações formais.

Por Eron Fagundes

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