TRÊS VOZES FEMININAS DO MUNDO ATUAL
 

 

12 de abril de 2006

A obsessão do realizador israelense Amos Gitai por planos-seqüência é uma obsessão intelectual; mas é um intelectualismo diverso daquele praticado por cineastas ocidentais. O longo plano fixo inicial, em que a câmara encara documental e rigidamente a face da atriz Natalie Portman em choros, enquanto na faixa sonora surge a canção que fala do entredevoramento de todas as coisas da natureza, este intenso, misterioso e inquietante quadro fixo que abre Free zone (2005) é um contraponto à linguagem adotada no restante da narrativa; concebido como um filme-viagem que erra por lugares de pouca definição das áreas do conflito da Palestina, Free zone adota amiúde o travelling, a câmara que se desloca constantemente; o plano-seqüência fixo do início converte-se em plano-seqüência móvel em todas as outras cenas de Free zone.

Amos Gitai filma como ninguém a atmosfera insegura e nebulosa da Palestina; em Free zone ele estabelece uma reflexão bastante interessante sobre a questão colocando em cena as vozes femininas. Natalie é a burguesa americana em conflito sentimental; o choro que aparece inexplicado no plano inicial justifica-se depois por este dilaceramento emocional. Hanna Laslo é a taxista israelense em cujo carro Rebecca (a criatura vivida por Nathalie) embarca; elas tomam o perigoso rumo da Jordânia e topam com Leila, uma palestina cujo marido deve dinheiro a Hanna. A cena final, ao mesmo tempo em que desfilam os créditos de encerramento, mostra o infindável bate-boca entre a judia e a palestina: é uma metáfora transparente da realidade da região, executada com brilho inconformista por Gitai.

Free zone é outro belo filme que usa o automóvel como eixo narrativo ou de linguagem, algo que é freqüente nos filmes do iraniano Abbas Kiarostami e que remonta a certos aspectos de filmagem do remoto Viagem à Itália (1953), do italiano Roberto Rossellini. A depuração de filmar atingida por Gitai em Free zone nasce muito da alta originalidade de que o cineasta reveste sua meditação cinematográfica em torno da vida que o cerca e dos recursos cinematográficos trabalhados por realizadores tão longínquos quanto Rossellini, para chegar a uma expressão fílmica tão profunda quanto moderna. Eu sei que os tempos atuais nas salas de cinema não favorecem a inteligência das pessoas; mas Free zone é uma luz tremeluzente para perturbar a forma comercial de fazer cinema, erigida especialmente numa produção como Munique (2005), do norte-americano Steven Spielberg

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Por Eron Fagundes

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