SERVINDO A DOIS SENHORES
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12 de julho de 2004

 

Em Homem-Aranha 2 (Spider-Man 2; 2004) o diretor Sam Raimi optou por buscar intenções mais sérias que no primeiro filme que dirigira em que a personagem era também o conhecido super-herói dos quadrinhos; Raimi chega a namorar um certo intelectualismo, citando o poeta norte-americano T. S. Elliot (cuja leitura é recomendada ao protagonista para conquistar a mulher de seus sonhos) e o dramaturgo inglês Oscar Wilde (uma peça de Wilde é encenada e dela participa como atriz a pretendida namoradinha do Aranha).

Infinitamente mais elaborado em seu roteiro que a aventura anterior do Aranha no cinema, Homem-Aranha 2 é igualmente mais caprichado formalmente, evitando certos ranços acadêmicos de linguagem e alternando com algum engenho rítmico as seqüências explosivas de ação com cenas mais íntimas em que se procura revelar a fragilidade humana do super-herói. O que ocorre neste novo filme de Raimi é bastante comum em algumas películas comerciais de hoje: o “cineasta-autor”, contratado para rodar uma narrativa que visa a um público basicamente infanto-juvenil, desvia o foco das questões mais primárias do espetáculo para uma análise mais ambiciosa da condição humana.

Isto se dá também no desenho animado Shrek 2. Trata-se duma nebulosa cinematográfica em que o realizador serve a dois senhores. A um senhor que rende muito dinheiro nas bilheterias, que são as ações fílmicas espetaculares, como aquele gesto insano de parar o trem com o corpo e as teias do Aranha. E a outro senhor que pretende iludir a crítica, aludindo a um poeta e a um autor dramático prestigiados e enxertando cenas de autoconsciência da personagem no seio da parafernália espetaculosa de material cenográfico destruído. De certa maneira, neste aspecto, Homem-Aranha 2 é o trabalho que melhor logra resultados desta fusão, impondo-se como espetáculo até àqueles que resistem a aceitar o cinema como diversão descompromissada.

Por Eron Fagundes