O francês Alain Resnais, um dos mais cultos e revolucionários cineastas do mundo, confessou que as histórias em quadrinhos influenciaram muito seu aprendizado da linguagem do cinema. Em conversa com Tuio Becker, um dos mais agudos e exigentes críticos de cinema que conheço, me disse ele que sua formação cinematográfica estava mais ligada aos quadrinhos que à literatura quando lhe falei da idéia de escrever um ensaio que tratasse da (de)formação literária de ver cinema. Eu de mim sei que minha formação literária determina uma maneira (às vezes acertada, às vezes perigosa) de ver cinema; sempre haverá quem me lembre as exigências industriais da sétima arte.
A verdade é que Homem-aranha (Spider-man; 2002) me pareceu uma narrativa tediosa, sem brilho, os aspectos formais foscos e a trivialidade de suas intenções risíveis. É difícil falar mal de um filme cuja predisposição do público para amá-lo vem arraigada na publicidade; mas o observador não pode ser insincero.
Sam Raimi, o diretor, é um artesão, realizou tão-somente um único filme interessante, Um plano simples (1998), e em Homem-aranha exubera em sua obsessão por uma gramática hollywoodiana sem fissuras, sem o menor laivo de ousadia; diferentemente de uma obra como A professora de piano (2001), filme francês dirigido pelo austríaco-alemão Michael Haneke (que é que esta citação erudita vem fazer neste comentário!), em que a duração do plano obedece a uma variação psicológica, ou seja, o momento do corte é determinado pela necessidade da seqüência e não pela imposição ocular do espectador, no Aranha os planos pipocam esquematicamente, seguindo uma objetividade meio televisiva em que o que importa é colocar na tela sempre a figura da personagem que está falando e fazer avançar a ação segundo aquilo que Hollywood entende por ação dramática; quer dizer, em seu novo filme Raimi aposta na mais retrógrada das linguagens cinematográficas. Nem em seus medíocres filmes de horror Raimi foi tão bem comportado quanto agora.
Mas aqui o leitor não está diante dum crítico autoritário. Deixo ao livre arbítrio de todos julgar que exagero em minhas diatribes ao Aranha porque passei minha infância e adolescência preferindo os livros aos quadrinhos. É minha (de)formação cinematográfica. Culpem a Machado de Assis e a Marcel Proust (de novo: que é que...).
Por
Eron Fagundes