A FERA NATURAL SEGUNDO HERZOG
 

 

10 de julho de 2006

O alemão Werner Herzog é um dos mais inusitados cineastas da atualidade. Suas torturadas personagens de exceção (o espanhol Lope de Aguirre, o demente teutônico Kaspar Hauser, o profeta Hias, o vampiro Nosferatu, os anões loucos, os alpinistas, um vulcão) aparecem sempre no seio duma estranha plasticidade cinematográfica: rigor e naturalidade. A natureza e suas perturbações são elementos constantes do universo de Herzog.

O homem urso (Grizzly man; 2005) é um documentário que versa sobre uma pessoa e fatos reais, estes já antes conhecidos do canal Discovery das televisões a cabo. Certamente Herzog, ao dar com o caso de Timothy Treadwell, sua convivência com os perigosos ursos pardos no Alasca e seu trágico final, vasculhando as cem horas de vídeo e o diário deixados pelo aventureiro naturalista, viu ali muito do que lhe interessa como cineasta na natureza humana. A loucura e o egocentrismo de Treadwell se assemelha muito  àquilo que vemos em todos os seres de Herzog; os delírios de Aguirre diante da câmara que singra o rio Amazonas em Aguirre, a cólera dos deuses (1972) parecem ter uma continuação nas bravatas infantis que Treadwell executa em seu autovídeo num estático primeiro plano fixo que fica buliçoso diante da neurótica agitação de Treadwell como intérprete.

São vários os filmes de Herzog em que a explosiva natureza faz seus estragos em cena. Em La Soufrière (1976) o vulcão ameaça destruir tudo, inclusive o próprio filme. Em Fitzcarraldo os acidentes do terreno são o próprio desafio do cineasta e sua equipe. Em O grande êxtase do entalhador Steiner (1974) o esqui era um esporte natural que engolfava o olho do observador, assim como o alpinismo no plano final de No coração da montanha (1991) torna o homem extremamente minúsculo no quadro.

Agora, em O homem urso esta natureza é radicalizada, como já era no antológico Fata Morgana (1971). Narrando em over com sua própria voz para comentar a trajetória de sua criatura, Herzog compõe uma de suas mais belas anotações sobre a fera natural que nos fascina e amedronta. Se no documentário Meu melhor inimigo (1999) o realizador investia em sua personagem característica, o falecido ator alemão  Klaus Kinski, em seu novo documentário o que vemos na tela é uma figura que bem poderia ser interpretada pela ganância visual e vocal de Kinski.

Por Eron Fagundes

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