29
de agosto de 2005
O humanismo
simplório de Hotel Ruanda (Hotel Rwanda; 2004), do irlandês
Terry George, está vazado numa narrativa acadêmica
e certamente ultrapassada, mas cuja capacidade de impor-se ao
público consumidor de filmes é ditada pela educação
do olhar do cinema comercial; plena de lugares-comuns formais
e temáticos, a realização de George não
deverá aborrecer os espectadores de sempre, mas irrita,
por seu estudado conformismo e sobranceira ingenuidade, o pensamento
de quem se dispõe a ir um pouco além na relação
com as imagens em movimento. É uma película plana:
isto é, abdica de qualquer pretensão à profundidade.
É
verdade que o cineasta angaria nossa simpatia social. A brutalidade
da luta fratricida de Ruanda, em 1994, não deixa de chocar-nos;
o realizador não desmerece sua habilidade para fazer com
que tomemos o partido de suas vítimas (os massacrados
e desarmados tutsis) contra a iracúndia irracional de
seus algozes (os violentos e intolerantes hutus: embora o herói
da história seja um hutu humanista casado com uma tutsi);
mas todo o complexo jogo ético-político duma nação é transformado
num disfarçado bang-bang de mocinhos e bandidos.
Se
Hotel Ruanda está voltado para os olhos comerciais
do cinema, é bom lembrar que sua principal referência
cinematográfica é uma obra-prima dos italianos
Paolo e Vittorio Taviani, A noite de São Lourenço
(1981). Se nos Taviani um padre católico abrigava em seu
templo os foragidos do fascismo, o negro interpretado por Don
Cheale no filme de George utiliza o hotel em que é gerente
como um posto a princípio inexpugnável onde salva
muitos tutsis de serem trucidados pelos facões dos hutus.
O
absurdo da violência humana é tratado melodramaticamente
em Hotel Ruanda. E isto, passado o impacto da projeção,
dilui o eventual poder crítico a que este filme poderia
aspirar.
Por Eron Fagundes
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