OS ESTRAGOS DE HULK
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15 de julho de 2003

“Dificilmente uma fita, por pior que seja, não me interessa e repousa.” escrevia o poeta brasileiro Vinicius de Moraes em seu tempo de crítico de cinema (O cinema de meus olhos, coletânea de textos de cinema de Vinicius editada pela Companhia das Letras originalmente em 1991 e organizada por Carlos Augusto Calil). É que Vinicius, falecido em 1980, não teve a oportunidade de assistir a realizações tão primárias e sem função quanto Hulk (The Hulk; 2003), de Ang Lee.

O mais constrangedor, o mais perturbador é que o taiwanês Lee é um autêntico “autor cinematográfico”, capaz de obras tão pessoais quanto Tempestade de gelo (1997) e O tigre e o dragão (2001). Quando alguém com a consciência fílmica de Lee assina Hulk, um projeto embrutecedor do cérebro do assistente, a miscelânea incapaz de distinguir a arte da indústria no cinema se embaralha. Foi-se o tempo em que o autor, mesmo que pudesse errar a mão (Federico Fellini, o grande cineasta de Roma de Fellini, 1971, dirigiu pouco antes o discutível Satyricon, 1969, que poderia ser acusado de muitas coisas, menos de algo não felliniano), se preservava de mergulhar nas películas só caça-níqueis.

Fica difícil para o observador enxergar nas filmagens de Hulk a beleza do estilo narrativo de Lee, que em sua filmografia chegou até a enveredar pela refinada literatura da inglesa Jane Austen em Razão e sensibilidade (1995). As tiradas psicológicas do roteiro, buscando dar um sentido mais profundo a esta aventurazinha que nasceu em desenhos no começo dos anos 60, são necessariamente superficiais; o que atrai o público cativo é a brutalidade da personagem quando se enraivece contrastando com a doçura de seus sentimentos pela mulher amada. Que é que leva um diretor de cinema sensível a entrar numa produção deste tipo?
De estrago em estrago –o pior de todos os estragos é aquele feito na cabeça de quem vê o filme--, Hulk vai deixar em seu fim uma terrível semente: Hulk não morreu e talvez venha aí, mais furioso do que nunca, em um novo estouro de bilheteria. Um dos piores filmes contemporâneos, mas um dos mais rentáveis.

 

Por Eron Fagundes