09
de agosto de
2004
O título
deste texto é um exagero: ninguém pode ser igual
ao francês Eric Rohmer, cineasta único em sua capacidade
de dialogação e na utilização da
fala e dos gestos do ator. Mas a função deste exagero é provocativa:
chamar a atenção para um novo exercício
rohmeriano de filmar a que o realizador norte-americano Woody
Allen se entrega em Igual a tudo na vida (Anything else; 2003).
Antes de mais nada, a exposição cerebral de conflitos
sentimentais é algo que Allen aprendeu bem com seu mestre
francês Rohmer. Como Rohmer, Allen, já avançado
em anos, gosta de colocar diante de suas câmaras criaturas
jovens: isto dá uma certa vitalidade a seu cinema.
Os
diálogos não param nunca no novo Allen, seguindo
a receita intelectual de Rohmer; afeiçoado por piadas
e desfilando algumas tiradas literárias, que ousam referir
do romancista russo Fiódor Dostoievski ao filósofo
existencialista francês Jean-Paul Sartre, Allen é bastante
irregular em Igual a tudo na vida, alternando momentos de algum êxtase
cinematográfico com passagens francamente aborrecidas.
Nada é muito fácil no relacionamento dos jovens
protagonistas de Allen, o pretendido escritor Jerry Falk e sua
tresloucada namorada Amanda que lá pelas tantas começa
a rejeitá-lo sexualmente; Allen interpreta David Dobel,
confidente madurão de Jerry, e pode-se dizer que o desempenho
do ator-cineasta volta a ter certos cacoetes que ele já teria
vencido na fase atual de sua carreira; Danny DeVito, como o agente
de Jerry, tem um elevado momento interpretativo na cena em que é despedido
e sofre um ataque num restaurante. O par vivido por Jason Biggs
e Christina Ricci é muito bem dirigido por Allen, e suas
inquietações soam convincentes.
Longe
do brilho de Dirigindo no escuro (2002), um incompreendido Allen
perdido numa fase meio opaca do realizador, Igual a tudo
na vida renova a constatação: Allen não
decepciona nunca a quem vai ao cinema em busca duma narrativa
tão abotoada quanto a de uma obra clássica da literatura
do século XIX.
Por Eron Fagundes
|