14 de dezembro de 2006
A grande vantagem de O ilusionista (L’illusionist; 2006), produção americana dirigida por Neil Burger, sobre seu recente sósia cinematográfico O grande truque (2006), de Christopher Nolan, também uma realização de Hollywood, está em ultrapassar as óbvias contemplações sobre as produções mágicas do século XIX. No final do filme de Burger uma montagem retrospectiva de cenas básicas da narrativa, iluminando a face esclarecedora do policial vivido por Paul Gianatti, dá a grande sacada: tudo o que foi visto, isto é, o próprio filme é uma ilusão, um truque; o cinema, como a magia, é uma ilusão, e o diretor é um mágico; um escrito (este, por exemplo) é também uma ilusão, e quem escreve (bom ou mau) é um pouco como o mágico, criando uma ilusão de vida e sensações com palavras e construções sintáticas; num sentido mais perspicaz que Burger não explora tão profundamente, a própria vida não deixa de ser uma ilusão e a morte dos indivíduos é o grande truque final do universo (ou da criação, ou, mais religiosamente, Deus).
É verdade: O ilusionista não se afasta do tom edulcorado duma produção comercial ianque, namora com freqüência o gosto simplificado do público, suas visões da magia muitas vezes se aproxima das puerilidades daquele bruxinho britânico Harry Potter; sim, claro, o confronto entre o universo mágico capaz de alargar a mente e o mundo científico fechado e racional está longe das inquietações da exposição tal como é estabelecido na obra-prima O rosto (1958), do sueco Ingmar Bergman. Mas sobressai-se muito além da coisa tosca que é O grande truque: em O ilusionista a caprichada produção de época, o brilho dos atores (que inclui uma das interpretações do ano, Edward Norton, extraordinário), a partitura fenomenal de Philip Glass e as voltas ideológicas que Burger dá em torno dos aspectos mais frágeis de sua narrativa dão um relevo estético que não pode, de maneira alguma, ser desconsiderado.
Demais, O ilusionista compõe uma indisfarçada e sempre atual crítica social, ao expor a força de uma personagem íntegra (o mágico), a corrupção do poder (na pele do príncipe Leopold) e a vassalagem cega à sombra dos corruptos (o policial, que simboliza todos os serviços das Repúblicas de hoje subjugados pela intransponível obediência hierárquica), tudo costurado com singeleza por uma sensível história de amor (amantes de infância, o mágico e a duquesa Sophie, prometida ao virulento príncipe, vivem o inevitável trágico). Mas a tragédia é também uma ilusão, edulcorada mas bonita.
Por
Eron Fagundes