PASTICHE DE UM BOM FILME À ANTIGA
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12 de julho de 2005

À primeira vista o filme A janela da frente (La finestra di fronte; 2003), rodado na Itália pelo turco Ferzan Ozpetek, procura imitar todos os atributos de uma boa realização cinematográfica que se inspiraria no modelo de sensibilidade de um certo cinema da década de 70. Há um charme de direção que nasce na fotografia e se detém na angulação obtida pelo movimento de câmara; há uma preocupação com fugir à vulgaridade ao retratar a atração que uma jovem casada sente por seu bem-apessoado vizinho; e acima de tudo o trabalho de Ozpetek é um tributo a uma das lendas do cinema italiano, o ator Massimo Girotti, que esteve como galã no filme inicial de Michelangelo Antonioni, Crimes d’alma (1950) e nos anos 70 seria visto contracenando com Marlon Brando na obra-prima O último tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci: Girotti é extraordinário em sua cena de dança com Giovanna Mezzogiorno; ele morreria logo depois das filmagens e A janela da frente lhe é mui justamente dedicado, pois tanto Giovanna com a pretensiosa inquietação de seu olhar final para a câmara quanto a inexpressividade edulcorada de Raoul Bova são colocadas no bolso pelo velho Girotti.

Outro dado que revela o esforço de A janela da frente de se parecer com um bom filme dos anos 70 é a inserção dum oblíquo elemento político: o velho desmemoriado vivido por Girotti, e que põe em xeque as vidas de outras três personagens, é um judeu sobrevivente dos campos de concentração nazistas. De esforço em esforço, A janela da frente é mais uma película que tenta, em algum momento, aproveitar as sobras da janela narrativa de Alfred Hitchcock em Janela indiscreta (1954); recentemente o filme francês Confidências muito íntimas (2004), de Patrice Leconte, tentou este incômodo caminho.

À primeira vista A janela da frente parece um filme bom de ver enquanto estamos sentados nas poltronas dos cinemas; mas seu poder de persuasão se esfacela muito rapidamente, parodiando a memória do idoso interpretado por um Girotti eternamente soberbo.

Por Eron Fagundes