07
de novembro de 2005
O
primeiro ponto descaracterizador da narrativa de
O jardineiro fiel (The Constant
gardener; 2005), produção britânica
dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles, é a
confusão
de suas linhas de interesse: ao tentar esboçar
uma visão cinematográfica ambígua
e nebulosa da personagem de Tessa (ativista social?
Mulher fortemente adúltera?), Meirelles situa-se
bastante longe da complexidade psicológica
que gostaria de ter; mesmo contando a notável
capacidade interpretativa de Ralph Fiennes no papel
do marido que sai a investigar as razões do
assassinato da esposa (uma denunciante que os interesses
econômicos internacionais querem converter
em fêmea vulgar), Meirelles dá à personagem-condutora
da trama sintomas superficiais, modestos mesmo. O
segundo ponto que atrapalha o desempenho do filme
de Meirelles é que a questão crucial
da história (extraída dum romance de
John Le Carré), as atividades mafiosas da
indústria farmacêutica, é fugaz
e pálida nas imagens da realização,
que prefere deter-se no romantismo – tanto
o marido seduzido que, após a morte a mulher,
vai atrás da verdadeira imagem de sua companheira
falecida; quanto na forma entre piegas e plana com
que os problemas dos miseráveis africanos
são tratados em cena.
Antes
de qualquer coisa, O jardineiro fiel é obra
da indústria: serve para que os produtores
ganhem dinheiro. Meirelles, cuja sinceridade cinematográfica
esteve melhor em Cidade de Deus (2002) ou mesmo em
Domésticas, o filme (2001), é só um
artesão correto nas mãos da indústria:
antes dele, o inglês Mike Newell iria dirigir
a fita, o que estaria mais de acordo com o todo da
produção, que é inglesa. A insinceridade
de cada quadro de O jardineiro fiel salta na vista;
mas há sempre a ponderação ufanista:
um brasileiro pode ter classe internacional, como
se vê aqui.
Mas,
enfim, este é o jogo do cinema: todo
autor quer secretamente inserir-se na indústria.
Outro brasileiro, Walter Salles, experimentou isto
em Água negra (20050); na verdade, Salles
resolveu um pouco melhor que Meirelles estes conflitos
industriais-artesanais em seu passeio pela grande
produção internacional.
Por
Eron Fagundes