15 de março de 2008
Não se pode deixar de dizer que Jogos do poder (Charlie Wilson’s war; 2007), dirigido por Mike Nichols, se entrega inteiramente às bossas do entretenimento cinematográfico americano para na verdade não dizer nada sobre os fatos históricos do Afeganistão e as autênticas motivações dos Estados Unidos nos conflitos daquela remota região. O que aparece mesmo na imagem de Jogos do poder é um certo ridículo do egocentrismo americano e a forma narcísica com que este egocentrismo é transformado em cinema; muitas vezes se tem a impressão de que os políticos ianques e Hollywood se merecem por suas quotas de espetáculo vazio; o cinema seria assim para certas parcelas mais pavoneadas da sociedade americana como um grande espelho em que esta sociedade se contempla e se autobajula.
É claro que não se esperaria que Nichols (cujo único filme sincero seria o tão distante A primeira noite de um homem, 1967) tratasse a questão afegã com a contundência e a beleza do iraniano Moshen Makhmalbaf em A caminho de Kandahar (2001). Mas Jogos do poder, anunciando-se como baseado em episódios reais, desanda em equívocos ficcionais, falsificações históricas, superficialidades anedotárias, bobagens de toda ordem. Mais um papo furado de Hollywood, como Leões e cordeiros (2007), de Robert Redford, disfarçado de cínica mea culpa caracterizada nas interpretações estelares de Tom Hanks e Julia Roberts, cujo tom de intimidade com o público é buscado quando um apalpa a bunda do outro diante de planos rápidos diante da câmara (são dois planos breves situados em pontos afastados na montagem do filme: ela apalpando a bunda dele, ele apalpando a bunda dela). E o que se caracteriza mesmo é que Hollywood, símbolo visual da pátria americana, aproveita qualquer brecha para implicar com os quase-sepultos russos, como se sabe desde os tempos de Amanhecer violento(1984), o bonito e reacionário filme de John Milius.
De tudo, sobra dizer que o Afeganistão parece ser um assunto da moda em Hollywood e adjacências. O caçador de pipas (2007), de Marc Forster, é um constrangedor melodrama ambientado em parte naquelas bandas. Em Senhores do crime (2007), de David Cronenberg, em alguns breves diálogos os mafiosos russos referem a participação soviética naquele país. E seguramente Jogos do poder não deixará de ser mais um pomposo título da moda, destinado à abarrotada lata de lixo da história do cinema. Mas, como em todo lixo, sempre poderá haver alguém que pense em reciclá-lo, senão por outro motivo, para um futuro estudo da visão social americana no cinema majoritário.
Por
Eron Fagundes