05
de janeiro de 2006
Ao
refilmar um antigo sucesso de Hollywood, o diretor
neozelandês Peter Jackson lança uma luz
sobre as verdadeiras origens de sua saga (um tríptico) O
senhor dos anéis (2001-2003). A aparatosa
fantasia digital de Jackson, elevada à cômica
condição de evento por alguns pensadores
cinematográficos contemporâneos, vem de
seu fascínio pelo velho e anacrônico King
Kong (1933), rodado por Meriam C. Cooper e
Ernest B. Schoedsack. O King Kong (2005)
de Jackson é um tributo do cineasta à escabelada
e infantilóide hipnsoe visual que a criação
de monstros na tela pode proporcionar aos cérebros
incautos.
É curioso
que, para retratar um típico diretor de cinema
americano interessado unicamente em ganhar dinheiro,
Jackson faça de seu Carl Denham uma imagem-sósia
do cineasta Orson Welles, o mais anti-hollywoodiano
dos artistas americanos de cinema. Talvez porque Jackson
gostaria de ser Welles, mas suas correrias ingênuas
(embora exacerbem numa lentidão de filmar) só componham
um sub-Steven Spielberg; as acrobacias de Kong lutando
com seres de evocação pré-histórica
simulam as vertigens de Indiana Jones que nas décadas
de 70 e 80 fez a cabeça do público de
sempre, que pouco mudou nestas sete décadas
que separam a fera original da fera computadorizada
do terceiro milênio.
Fazendo
breves referências à crise econômica
americana do tempo da ação do filme,
o início da década de 30, a luta final
de Kong contra as armas dos civilizados numa Nova Iorque
convulsionada pela presença predatória
do selvagem, vai chegar, ainda e sempre, à invasão árabe
de setembro de 2001: Kong senta-se no alto de um prédio
desafiando os helicópteros que o alvejam, assim
como os terroristas atiraram contra as torres gêmeas
aviões homicidas. Setenta anos depois de Kong,
uma horda de Kongs poria a metrópole do mundo
de joelhos de pavor. No filme de Jackson, como no antigo
filme, o selvagem é abatido: a civilização
ianque se mantém. A ideologia do filme é o
da supremacia tecnológica das terras de Mr.
Bush: ninguém os vence. Eles são muito
ricos e fazem o melhor cinema do mundo. Ao menos, para
um certo público.
Por
Eron Fagundes