UM DOS FILMES MAIS IMPRESSIONANTES DO ANO
 

 

14 de dezembro de 2006

Na década de 70 do século passado se opunha a magia escapista de Contatos imediatos do terceiro grau (1977), filme rodado pelo norte-americano Steven Spielberg, à imaginação extremamente crítica apresentada pelo diretor espanhol numa produção como Elisa, vida minha (1977); eram duas correntes de cinema que os observadores cinematográficos da época considerávamos inconciliáveis –duas paralelas irreversíveis no universo fílmico. Três décadas depois, O labirinto do fauno (El laberinto del fauno; 2006), autêntico delírio audiovisual concebido pelo mexicano Guillermo Del Toro, une estas duas tendências de maneira inusitada; com um sentido do feérico mais elaborado e conseqüente que aquele de O senhor dos anéis (2001/2003), do neozelandês Peter Jackson, Del Toro vai igualmente naquele deboche antimilitarista que caracterizou a filmografia do espanhol Carlos Saura em filmes como Ana e os lobos (1972) —isto quer dizer que a fantasia, no universo de Del Toro, é parte colada à realidade, as asas estéticas dos aspectos fantásticos do cineasta se desprendem seguidamente da lógica narrativa, mas nunca resvalam para aquelas deformações narrativas de Fonte da vida (2006), do americano Darren Aronofsky; o lado obscuro ou mágico de O labirinto do fauno adquire um sentido profundamente belo na maneira como Del Toro executa o que lhe coube fazer no espaço de seu filme.

A opulência das imagens criadas por Del Toro e seu fotógrafo Guillermo Navarro ajuda a dar relevância ao evento visual que é O labirinto do fauno, onde a estranheza poética dos monstros de imaginação da garotinha-central e o violento meio fascista da Espanha de Franco formam uma ligação narrativa extremamente forte, apesar de disparidade dos dois mundos retratados: isto se deve à extrema felicidade com que Del Toro monta sua obra. Curiosamente, Del Toro é o mesmo de Hellboy (2004), um piores filmes da década; em O labirinto do fauno ele restaura no cinema de fantasia um poder de fogo que nunca é estorvado pelo brutal realismo das outras cenas que circundam esta fantasia.

Além de seus imensos achados plásticos, O labirinto do fauno acerta na mosca ao estabelecer um contraponto entre os arrepios que a garotinha sente em seu mundo interior visualizando seres muito esquisitos, e o pavor de viver sob o jugo fascista de seu padrasto. O medo imaginário da criança e o medo concreto imposto à criança pelo inexplicável mundo dos adultos são os dois pólos entre os quais transita a ideologia do filme para chegar a um final onde alimenta a inevitável realidade e as possibilidades espirituais da fantasia.

Apesar de uma certa concepção maniqueísta entre seres bons e seres maus (nascida de uma fidelidade à estrutura dos contos de fadas), O labirinto do fauno é um grande filme e, labirinticamente, destrói aqueles conceitos que bizantinamente construíamos na década de 70 sobre o escapismo cinematográfico. Um dos mais impressionantes filmes do ano, certamente.

Por Eron Fagundes

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