03 de setembro de 2007
O sul-coreano Park Chan-Wook é um dos mais notáveis estilistas do cinema contemporâneo; sua capacidade de transformar a violência natural do animal-homem em imagens criativas, pessoais, de densa e única plasticidade equipara-se àquela exibida pelos norte-americanos Sam Peckinpah (no passado) e Quentin Tarantino (hoje em dia). Em Lady Vingança (Simpathy for Mr.; 2005) ele leva mais adiante um processo lingüístico que parece penetrar no cérebro da personagem para revelar o que (e como) detona os instintos mais baixos do ser (ser humano? que age quase como um a planta que é devorada pela barbárie do cenário?); se em Oldboy (2003) a partir da trajetória dum ex-prisioneiro que ao sair do cárcere planeja sua vingança o cineasta exacerbava num barroquismo descontrolado, perdido, nuvens que perturbavam a visão do espectador, em Lady Vingança a personagem é uma mulher, também esteve presa injustamente longos anos, ao sair arquiteta sua demoníaca vingança contra o homem responsável por sua prisão, um pedófilo que matou várias crianças, igualmente o sangue barroco transborda, a tessitura formal não é para qualquer um, mas o realizador em suas ousadias cria um ritmo narrativo mais compactado que aquilo que vem de Oldboy, dá a atmosfera de obra definitiva que emana destas nuvens que embaçam o olhar de Lady Vingança.
As relações entre o tempo de prisão e os dias de vingança são alternadas, misturadas, fundidas, tanto em Oldboy quanto em Lady Vingança. Chan-Wook executa estes liames com muita complexidade e segurança, estabelecendo as pontes entre as fases da vida da personagem. A mulher de Lady Vingança esteve presa para salvar sua pequena filha (esta relação com a filha, mandada para ser adotada por um velho casal ocidental, é tensa, ambígua e puxa um provocativo fio narrativo), mas sua verdadeira prisão são seus instintos inarredáveis. Fora das grades, a criatura está tão presa quanto antes. Nisto Chan-Wook capta o inevitável destino de todos nós.
Lady Vingança tem uma beleza ímpar em cada movimento de linguagem. Ao posicionar o quadro, ao mover a câmara em alguns planos-seqüência, ao fundir certos conteúdos na densidade fotográfica, ao testar a resistência do observador pela crueldade sem concessões de certas seqüências (aquela em que a protagonista mostra um vídeo aos pais das crianças-vítimas, neste vídeo se vêem sem alternativas as cruas e perversas relações de pura violência do assassino com os pequenos), em todos os lances de Lady Vingança está a mão de um cineasta maior.
Por
Eron Fagundes