10 de dezembro de 2007
Buscando inspiração para seu roteiro num poema épico anglo-saxão arcaico (o texto data das proximidades do ano 740 d.C.), o realizador norte-americano Robert Zemeckis, em A lenda de Beowulf (Beowulf; 2007), avança para um cinema tecnologicamente avançado, onde a invenção visual pode ser ilimitada graças às possibilidades de utilização do universo do computador na sétima arte. É claro que Zemeckis só não avança mais para não cair no experimentalismo, em função de seus compromissos comerciais: ele não é o cineasta britânico Peter Greenaway. Mas em A lenda de Beowulf Zemeckis roda provavelmente seu filme mais criativo, mais forte.
É curioso observar que a lenda saxônica tem certas semelhanças com as aventuras francesas medievais da Távola Redonda: se o rei Arthur dos franceses teve um filho sinistro com sua meia-irmã Morgana e este filho traz perturbações ao reino de Camelot, o rei Hrothgar dos saxões fez amor com uma bruxa e gerou seu filho Grendel, um monstrengo que põe constantemente seu povo em polvorosa; assim como o lutador Lancelot tem uma paixão perigosa pela esposa de Arthur, a rainha Guinevere, o guerreiro Beowulf apresenta desde o começo atração pela rainha vivida por Robin Wright Penn. Assim, o filme de Zemeckis acaba prestando tributo a um dos maiores eventos da cinematografia de aventura, Excalibur (1981), do inglês John Boorman, que tratava do reino de Camelot na França antiga. É claro que Boorman é mais agudamente crítico em sua visão duma fantasia sombria. Zemeckis não perde inteiramente a visão crítica, mas, assim como acontecia nos antigos espetáculos de seu patrício Steven Spielberg, se deslumbra com a tecnologia fílmica e investe quase tudo neste processo. De qualquer maneira, não há como deixar de se fascinar com as metamorfoses de caligrafia computadorizada que Zemeckis impõe às breves e marcantes aparições de Angelina Jolie como a feiticeira má ao longo do filme; Jolie, assustadora e distante entre os trechos do filme, me lembra um pouco aquelas inserções de Marlon Brando murmurando “horror! horror!” em Apocalypse now (1979), do norte-americano Francis Ford Coppola. A criação de computador mais alterada parece ser a do monstro Grandel a partir do ator Crispin Hellion Glover e sua perfomance parece bem mais contundentes que aquela de outro monstro de computador, o Gollum visto na saga A sociedade dos anéis (2000-2003), do neozelandês Peter Jackson.
Como no aludido Excalibur, em A lenda de Beowulf os tempos de deuses e heróis estão acabando para dar lugar ao tempo dos homens; antes disto, porém, é dado ao espectador vê-los em confronto, ainda que virtual e necessariamente heróico.
Por
Eron Fagundes