05
de abril de 2005
A estréia
na direção cinematográfica de Nicole Kassel
surpreende em vários sentidos e aponta para uma aguda
saída artística dentro do desolador panorama do
grosso dos filmes norte-americanos que aportam por aqui. O
lenhador (The woodsman; 2004) é, estética e tematicamente,
um filme insatisfeito com os caminhos comerciais das imagens
em movimento e aprofunda pesquisas formais e de personagem de
que o cinema de hoje anda por via de regra afastado.
O
assunto escolhido por Kassel para começar a dizer alguma
coisa relevante aos espectadores, é espinhoso e teve seus
pingos controversos em algumas realizações recentes: Nó na garganta (1997), do irlandês Neil Jordan,
e Má educação (2004), do espanhol Pedro
Almodóvar, são trabalhos que evoco. Mas se Jordan
e Almodóvar somente pincelavam a questão num universo
que apresentava outros tentáculos, Kassel transforma a
pedofilia (atração sexual que um adulto tem por
crianças) no próprio centro da linguagem de sua
narrativa; a pedofilia é o que verdadeiramente informa
o andar rítmico da câmara de Kassel.
A
surpresa com que depara o observador que dá com o filme
de Kassel vem de dois pontos básicos: a narrativa nunca
se cansa de instar com as particularidades do plano cinematográfico,
um jeito especial do corte que parece obedecer a uma questão
psicológica antes que a uma necessidade de conformar-se
com uma convenção de linguagem, criando assim uma
contemplatividade de filmar que acaba por hipnotizar com sua
tensão, onde a inserção da faixa musical
tem função destacada; o outro ponto é a
maneira complexa com que Kassel retrata a figura do pedófilo,
sem torná-lo o monstro esperado, mas confluindo para suas
dúvidas com uma força de imagem espantosa, no que é auxiliado
pela notável interpretação de Kevin Bacon.
O
lenhador adota um pouco a estrutura de velhas fábulas
morais e sua referência à história de Chapeuzinho
Vermelho (salva do lobo por um lenhador, assim como o pedófilo
lida com madeiras numa serraria; será que, neste mundo
real, como diz a dura personagem do policial vivido por Mos Def,
não existirá mesmo um lenhador salvador?) não é gratuita.
E a moral do filme de Kassel é complexa e jamais se rende
ao moralismo fácil.
Por Eron Fagundes
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