PROBLEMAS COM O TEMPO NARRATIVO
 

 

18 de novembro de 2007

Parece que as narrativas com vários tentáculos estão em moda no cinema americano; mesmo aquele cinema mais comercial feito conforme as regras de Hollywood, tem-se esforçado por criar este “charme narrativo” que muitas vezes é pura falsificação formal. Um exemplo de como esta ambição em mãos de um cineasta limitado pode destruir a clareza de filmes feitos para o grande público é Leões e cordeiros (Lions for lambs; 2007), dirigido pelo veterano ator e realizador norte-americano Robert Redford; o primeiro filme rodado por Redford foi Gente como a gente (1980), um daqueles repetitivos melodramas familiares com que Hollywood abastecia o mercado nos anos 70 e 80; Leões e cordeiros, pretensiosamente político e pretensiosamente diferente em seus cruzamentos narrativos, é no fundo herdeiro deste estilo de filmar que anacronicamente Redford quer empurrar goela abaixo do espectador neste começo de século XXI.

Redford utiliza três linhas de ação dramática em seu roteiro: no centro, a entrevista que o cínico e vistoso político vivido por Tom Cruise concede em seu gabinete à ingênua e idealista jornalista interpretada por Meryl Streep; nas margens desta ação, seqüências de batalha no Iraque com dois soldados perdidos na obscuridade do combate; e, tecendo uma outra borda, o professor (o próprio Redford está na pele deste personagem) e um aluno pretendidamente inteligente mas confuso discutem as ações bélicas americanas no Oriente. As cenas de guerra estão entre as piores já feitas pelo cinema: filmadas de maneira tosca, beirando o ridículo. Os planos que confrontam os intérpretes Tom e Meryl esperam muito dos atores, mas infelizmente nem um nem outro estão suficientemente convincentes. A aparição de Redford na figura do professor serve para expor um dos problemas do filme: seu tom professoral impede que a narrativa se solte e chegue ao espectador. Porém, o que visceralmente transforma Leões e cordeiros numa experiência torta é que o cineasta não logra atingir o tempo certo para construir a verdadeira estrutura do filme, que é (falando semioticamente) um grande sintagma alternado —as três linhas de ação referidas saltitam na tela meio aleatoriamente, interrompendo-se umas às outras, indevidamente, montadas de maneira opaca.

Redford, definitivamente, tentou um passo maior que suas pernas. Desestruturou seu melodrama político por falta de habilidade mesmo. Curioso é que ele se perdeu na transformação em imagens de um roteiro que nem é tão complicado assim. Imagine-se Redford dirigindo o roteiro mais tentacular de Medos privados em lugares públicos (2006), que o francês Alain Resnais, com seu senso cinematográfico preciso, converteu num dos melhores filmes da atual temporada de cinema.

Assim como está, falta a Leões e cordeiros uma parte mínima da emoção antibelicista de Corações e mentes (1974), o documentário de Peter Davis aqui e ali aludido nos diálogos por Redford, e como análise das relações de um jornalista com a sociedade está anos-luz atrás de A primeira página (1974), de Billy Wilder. Um fiasco este Leões e cordeiros e muito mais um produto da ambigüidade e das confusões de Hollywood do que uma visão clara e competente dos temas que aborda.

Por Eron Fagundes

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