ZOMBANDO DA PREPOTÊNCIA CULTURAL
 

 

03 de setembro de 2007

São poucos os elementos de que se vale o cineasta romeno Corneliu Porumboriu para exercitar os limites da sua criatividade cinematográfica em A leste de Bucareste (A fost sal n’a fost?; 2006), um drama político tão original quanto sarcástico em suas veladas ponderações. O franciscanismo formal do filme remete ao francês Robert Bresson, é claro que sem as encucações espirituais do mestre; mas o rigor e a contenção são os mesmos, extremados, sem concessão, lidando provocativamente com o gosto do público.

Quase o tempo inteiro, a ação (que na verdade se resume a ações em palavras, coisas que as personagens dizem referindo-se a suas pretensas ações no passado, o aludido 22 de dezembro de 1989 quando o ditador Nicolau Ceausescu caiu ou foi deposto “pela história”) se dá num estúdio duma emissora de televisão; em cena, um jornalista pretensioso, um historiador bêbado enrolador e um velho aposentado sentimentalóide; atrás deles, uma grande fotografia da praça das revoluções onde teriam ocorrido os feitos a que aludem estas três personagens, esta fotografia cobre todo o plano insistentemente; é pelas vozes, em off, dos possíveis telespectadores daquele árido programa (árido como o próprio filme) que a pose do trio central é posta em xeque, cai a máscara do orgulhoso jornalismo cultural e político de hoje que, usando de uma linguagem empolada (as referências do apresentador ao grego Heráclito são deslocadas, fora de tom) encobre as coisas simples de um véu incrivelmente obscuro.

Cabe um paralelo com Simpsons, o filme (2007), de David Silverman. Ambos os filmes destroçam o meio social de onde emergem: adotam uma inquebrantável posição crítica para olhar a seu redor. As semelhanças terminam por aí. Enquanto Simpsons se inspira no visual e na gag americaníssimos, vertendo-se em divertimento, o riso proposto por A leste de Bucareste é mais truncado e mais escavado: foge ao comercialismo do cinema, faz um filme como não se poderia fazer (pouca inspiração visual, gesto desglamurizado, palavras patéticas como no teatro do irlandês Samuel Becket) e atinge fundo uma ironia intelectual que vai chegar mesmo àquele espectador mais sofisticado que, enfim e ao cabo, é a vítima da própria oculta gargalhada de A leste de Bucareste.

Por Eron Fagundes

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