O INTELECTUAL INCOMPREENDIDO
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01 de novembro de 2004

O escritor austríaco Stefan Zweig suicidou-se em Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil, logo depois do Carnaval de 1942; foi acompanhado, em seu gesto, de sua jovem mulher Lotte. O cineasta brasileiro Sylvio Back, cujo último trabalho visto por aqui foi uma bela cinebiografia do poeta simbolista Cruz e Sousa em Cruz e Sousa, o poeta do desterro (1999), filma com rigor e beleza plástica os dias finais de Zweig em Lost Zweig (2003); há alguns anos Back rodou um documentário de média-metragem sobre o autor que era uma espécie de ensaio para o atual filme, que parte do livro Morte no paraíso, de Alberto Dines, mas envereda por caminhos livres de questionamento existencial de Zweig como homem de pensamento num mundo que se tornava cada vez mais absurdo e intolerável.

(Zweig teve uma de suas novelas, Medo, 1925, levada ao cinema pelo italiano Roberto Rossellini em 1954, numa das produções menos citadas do grande cineasta onde Ingrid Bergman, mulher e musa do realizador, vivia o papel da atormentada adúltera da narrativa.)

Em seu filme, Back exacerba na lentidão melancólica do plano cinematográfico. Esta melancolia de filmar às vezes incomoda na estrutura fílmica, assemelhando-se a uma pose intelectual vazia de profundidade. Todavia, Lost Zweig resiste a seus próprios instantes mortos e sobrevive como uma bela reflexão sobre a incapacidade do intelectual para agir num mundo que começava a transformar-se já nos anos 40 do século XX.

No ano dos cinqüenta anos da morte de outro suicida ilustre, o presidente Getúlio Vargas, o filme de Back põe em cena uma representação de Vargas tão caricatural e perversa quanto aquela de Olga (2004), de Jayme Monjardim; o Vargas de Renato Borghi é tão risível quanto o de Osmar Prado no filme de Monjardim.

O ator alemão Rüdiger Vogler defende com bravura a personagem de Zweig. O cinéfilo que ainda não se desmemoriou lembra-se dele nos filmes do germânico Wim Wenders; eu particularmente nunca me esqueci daquele duro e seco plano-seqüência fixo em que Vogler defeca diante da câmara de Wenders na obra-prima Com o passar do tempo (1976). Os anos passaram, e Vogler deixou de lado as velhas travessuras de do ultra-realismo teutônico para encarnar um polido intelectual europeu. Extremamente brilhante é sua recitação dos versos da maravilhosa última estrofe do Canto Primeiro do poema épico Os Lusíadas (1572), do português Luís Vaz de Camões.

Referindo-me ainda às caracterizações estereotipadas e pitorescas de figuras históricas, observo que Back atira em sua realização um Orson Welles que bêbado vaga pelas ruas do Rio dos anos 40 agitando nas mãos o livro de Stefan Zweig sobre o Brasil. Folclore ou verdade?

Por Eron Fagundes