SEPARAÇÕES E FILHOS: UM OLHAR NOVO
 

 

29 de maio de 2006

A A narrativa de A lula e a baleia (The squid and the whale; 2005), dirigida pelo norte-americano  Noah Baumbach, em momento algum se satisfaz com as aparências do cotidiano para expor os traumas psicológicos de suas quatro personagens centrais, o casal que já no início do filme se separa e os dois filhos adolescentes despreparados para enfrentar esta separação que acabam vivendo aos trancos e barrancos. Baumbach igualmente não se entrega ao psicologismo fácil que a banalidade da história poderia render: suas anotações sobre o comportamento das personagens adotam um notável senso de elipse e unidade cinematográfica.

O casal que se separa são dois escritores: ela é mais leve e concessiva em suas opiniões literárias, ele é mais duro e difícil. As referências a romancistas como o inglês Charles Dickens, o tcheco Franz Kafka e o norte-americano F. Scott Fitzgerald, nos diálogos, e o aparecimento da capa do livro A vítima, do judeu americano Saul Below, numa determinada imagem são disseminados por Baumbach de maneira que não surja o intelectualismo estéril, perdido: servem, sim, para caracterizar o universo íntimo do escritor vivido com precisão por Jeff Daniels. Também a cena quase ao final em que, ao sofrer um mal-estar cardíaco que o joga na ambulância e depois no hospital, Jeffa Daniels refaz a queda de Jean-Paul Belmondo no encerramento de Acossado (1959), do francês Jean-Luc Godard, repetindo para a personagem de Laura Linney a palavra desairosa que Belmondo dizia para Jean Seberg, esta cena de A lula e a baleia tem uma função narrativa precisa, não é, como igualmente não eram as citações literárias a que aludi neste parágrafo, uma citação a esmo: quando o homem, refazendo Belmondo, lembra à mulher que ela estava grávida do filho mais velho quando foram ver o clássico de Godard, e lembra mais, que ela odiava Godard, enxerta-se na realização de Baumbach um componente emocional que se distancia dos artifícios duma mera citação.
Com clareza e discernimento, o cineasta de A lula e a baleia faz uma crônica familiar americana de raro brilho. Em todos os aspectos, a realização de Baumbach foge bastante àquilo que habitualmente nos é passado como cinema americano: Munique, Missão impossível III, Terapia do amor, O plano perfeito. E sua eventual porção literária ou de cinema europeu evita com muita sutileza aquela atmosfera de pastiche intelectual que incomoda inclusive o andar de um bom filme, como Ponto final (2005), do norte-americano Woody Allen.

Edificado como uma música de câmara, sem alterar seu tom de voz, A lula e a baleia está disposto como filme de maneira diferente daquilo que se pensa o cinema como uma imagem que retumba: estamos diante da sensibilidade simplesmente.

Por Eron Fagundes

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