QUEM MATOU IGNÁCIO?
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29 de novembro de 2004

Quem diria! O prestigiado cineasta espanhol Pedro Almodóvar acabaria fazendo um filme em que a preocupação central é meio novelesca: insistentemente as personagens colocam diante do espectador uma inquietação trivial, quem matou Ignácio, como morreu Ignácio? Em Má educação (La mala educación; 2004), apesar da busca de um jogo de perplexidade entre o que é real e o que é ficcional e como este invade aquele ou aquele se nutre deste ou os contrários, estamos longe da complexidade formal e psicológica de Fale com ela (2002), o belo trabalho anterior do realizador, e igualmente a narrativa passa à margem das características sangüíneas de Carne trêmula (1997), talvez a melhor realização de Almodóvar.

Como em A lei do desejo (1986), uma de suas produções emblemáticas dos anos 80, em Má educação o cinema e principalmente o homossexualismo estão de volta. Sua homenagem ao filme noir é sem profundidade, inócua. Se em A lei do desejo Antônio Banderas vivia cenas bastante audazes com parceiros sexuais, em Má educação Gael García Bernal não chega lá porque o lirismo superficial de Almodóvar é desprovido de qualquer transcendência.

Não se pode dizer que Bernal decepciona. Como já se viu em Amores brutos (2000), do mexicano Alejandro González-Iñarritu, e em Diários de motocicleta (2004), do brasileiro Walter Salles Jr., ele é um jovem bom ator que conhece seu ofício e desenvolve sempre um trabalho inquieto e preciso. Mas certamente aqui a direção confusa de Almodóvar (desde o roteiro e chegando à montagem) põe a perder o mistério da criatura de Bernal. Creio que se pode analisar o fracasso de intenções de Má educação a partir da visão que se pode ter dos problemas estruturais da personagem de Bernal, inconsistente, opaca, buscando um realismo duro que o torna artificiosa e involuntariamente irreal.

O espectador de Almodóvar perde-se ao buscar seu brilho e sua força neste espedaçado Má educação.

Por Eron Fagundes