RETRATO SENTIMENTAL DE UM TEMPO SOMBRIO
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15 de março de 2005

Machuca (2004), filme chileno dirigido por Andres Wood, busca reencontrar o Chile de 1973 pouco antes da deposição de Salvador Allende e da chegada ao poder dos militares, sob a batuta de Augusto Pinochet: um caos econômico próprio da época em países em desenvolvimento serve para que a direita culpe um governo de esquerda e prepare o golpe; os conflitos de classe são esboçados na amizade que aponta entre dois alunos dum colégio nobre de Santiago, um deles das classes privilegiadas, outro um aborígene da favela.

Na verdade, a realização de Wood oscila entre duas atmosferas cinematográficas básicas em que confluem as preocupações sentimentais de Uma mulher para dois (1961), do francês François Truffaut, (uma garota namora dois garotos no mesmo cenário, beijando a um e a outro em seqüência), e os retratos de meninice de Adeus, meninos (1987), do também francês Louis Malle. As inquietações sociais transformadas em imagens por Wood são demasiado fáceis para que o espectador possa reflexionar sobre elas para além da sala de projeção; sua versão do Chile de então está longe do vigor e da profundidade que o grego Constantin Costa-Gavras impôs à sua narrativa em Desaparecido, um grande mistério (1982), embora seja verdade que o objetivo do cineasta grego difira muito daquele de Wood.

Machuca está muito longe de atingir o nível de seus objetivos. Ao esboçar uma pintura de época, caiu numa fragilidade sentimental que o anula em muitos de seus aspectos. O que se salva ao longo da narrativa é a veracidade que nasce especialmente da força dos intérpretes.

Por Eron Fagundes