A magia do cinema de Saura

Em Tango (1998) o realizador espanhol Carlos Saura torna a uma forma cinematográfica que, desde Doces momentos do passado (1981), parecia desvirtuada com as indecisões abertas por Antonieta (1982) e que tem vindo até o nada inspirado Flamenco (1995), alternando obras curiosas (Táxi, 1996) e narrativas frouxas (Dispara!, 1993). Tango recupera a magia do cinema de Saura. O rigor, a beleza, o despojamento, a precisão do estilo de filmar do cineasta estão inteiros em Tango, que só se ressente, breve e tenuemente, duma linha dramática mais encorpada para que o filme atingisse o nível de, por exemplo, Bodas de sangue (1981), até hoje o mais belo produto da fusão dança-cinema nas mãos de Saura.

Em Tango algumas obsessões do diretor espanhol circulam esplendorosamente. Como em Os olhos vendados (1978) e no citado Doces momentos do passado surge na tela a encenação dum espetáculo, o que permite a Saura discutir o próprio cinema. Não sabemos bem se se trata dum show teatral ou dum filme; Saura é sutil e secreto em sua história, apesar do objetivo final ser extremamente transparente. O que sabemos é que um diretor está realizando um espetáculo em que o elemento de linguagem é o tango; como não poderia deixar de ocorrer, a jovem atriz contratada está abandonando o velho produtor do espetáculo para se envolver com o madurão diretor.

As imagens de Tango fazem o cinema de Saura tornar à complexidade dos anos de Elisa, vida minha (1977). Se Elisa vinha pelo corredor e dava com seu passado, Geraldine Chaplin mirando-se na garotinha Ana Torrent, em Tango, quando o protagonista vai ao colégio em que estudou para observar os pequenos dançarinos de tango, espia o garotinho que foi pelo vidro de uma sala de aula. Como em Bodas de sangue, a fita às vezes se assemelha ao documentário sobre uma dança (tango), às vezes faz vir à tona sua trama ficcional.

Embora calcado em algo tão arraigado na cultura argentina como o tango, o filme de Saura é profundamente espanhol em sua realização, revelando a personalidade cinematográfica que exubera das imagens.

Por Eron Duarte Fagundes, em 12.4.01