ULTRAJE A JESUS
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20 de outubro de 2003

O último filme de Jesus a que assisti foi uma cópia dublada em vídeo de O Messias (1975), o derradeiro trabalho realizado pelo diretor italiano Roberto Rossellini, que faleceria dois anos depois. É bom começar assim minha visão da produção brasileira Maria, mãe do Filho de Deus (2003), de Moacyr Góes; é bom evocar o rigor e a profundidade ou o senso fílmico de Rossellini para que nenhum espectador caia na armadilha de que uma história religiosa, contada e recontada ao longo de dois mil anos, só pode ter a versão piegas que Góes lhe pôde dar. O cineasta brasileiro confundiu ternura com pieguice, e quer fazer o público embarcar neste engodo.

A única coisa prestável do filme de Góes é aquela mulher negra cantando, à janela, a canção “Mãezinha do céu”; é a única seqüência em que Góes logra chegar a alguma ternura, que se deve mais às nossas evocações das melhores lembranças da infância ou à sinceridade da criatura que canta (sinceridade que faltará aos astros televisivos que encenam sem muita graça os atos bíblicos) do que à capacidade de direção. A cena a que me refiro neste parágrafo aparece no início e no fim da narrativa.

As marcações cinematográficas da reconstituição da história de Jesus são mal feitas. Buscando sintetizar uma gama complexa de episódios, Góes perde detalhes importantes e afunda seu filme numa constrangedora superficialidade. Os atores estão lamentáveis: tanto na maneira de pronunciar os diálogos quanto na veia dramática emprestada às personagens. Luigi Baricelli é um dos Jesus menos convincentes da história do cinema; Giovanna Antonelli na pele de Maria está como sempre inexpressiva; e até o presunçoso José Wilker vive um risível Pilatos. Ao propor a milenar história sob a ótica duma criança (uma menina), Góes está longe de aproveitar este recurso com o saber de um bom cineasta. Falta falar no padre-espetáculo, Marcelo Rossi: que pobreza de espetáculo, senhor Rossi; vá rezar suas missas e esqueça o cinema.

Depois de expor Machado de Assis em Dom (2003), Góes fez o mesmo com o filho de Deus. Jesus Cristo não merecia passar por este vexame. Para enfeixar este texto, uma citação familiar: consultado o parecer de meu filho Gustavo, de onze anos de idade, ele afirmou sem hesitação que já viu histórias de Jesus muito melhor contadas. Certamente, meu filho: as brechas narrativas de Maria, mãe do Filho de Deus são tantas que até um menino de onze anos que não vai tanto assim a cinema pode perceber sem esforço.

Por Eron Fagundes