26 de março de 2007
Em Maria Antonieta (Marie Antoinette; 2006), o mais novo e belo filme da realizadora norte-americana Sofia Coppola, cada imagem exala a riqueza financeira em que a produção foi concebida: a primorosa e deslumbrante reconstituição do século XVIII francês não esconde os milhões de dólares investidos como só a indústria americana de filmar seria capaz de jogar numa tela de cinema. Mas Sofia é muito mais do que uma artesã míope de Hollywood, é uma artista e sabe transformar as exigências industriais em rigor de composição estética. O que verdadeiramente apaixona o espectador em Maria Antonieta é a maneira como a câmara e os movimentos de câmara se enamoram dos elaborados cenários de época, o plano se cola à ambientação, buscando um lustre, um chafariz, detalhes de calçados e roupas, certas cores da fotografia, e esta incessante busca do plano pelo deslumbramento visual muitas vezes pode alucinar o olhar do assistente. Abundam os planos gerais, portanto.
Estes planos gerais são amiúde lentos, desdramáticos. Curiosamente, apesar da opulência de produção, Maria Antonieta é, como os dois filmes anteriores da Coppola (As virgens suicidas, 1999; Encontros e desencontros, 2003), uma narrativa seca, distanciada; Sofia usa muito pouco os eventos históricos com finalidade dramática, o mais das vezes a câmara de Sofia é um olhar descritivo sobre um mundo antigo com o qual uma mulher contemporânea, a diretora, se esforça por uma identificação. Seco, distanciado, quase um documentário de época se retirarmos seus extensos e intensos adereços visuais, Maria Antonieta é também uma visão debochada das ridicularias da nobreza européia de três séculos trás. Esta zombaria se caracteriza especialmente na forma como a cineasta conduz a travessa interpretação de Kirsten Dunst no papel central; é um contraponto para a sisudez de Helen Mirren em A rainha (2006), do inglês Stephen Frears; entre a perturbadora e tresloucada austríaca dos tempos da Revolução Francesa e a imperturbável britânica de hoje, dois autênticos e precisos retratos de rainhas que abrilhantam este início de ano cinematográfico.
Maria Antonieta tem sua trajetória fílmica interrompida no momento em que a corte real foge pelo interior da França para escapar à sanha do povo faminto. Esta caravana régia em fuga foi o centro da obra-prima Casanova e a revolução (1982), do italiano Ettore Scola. Neste aspecto, Maria Antonieta da Coppola, evitando mostrar sua personagem decapitada, diverge de Maria Antonieta, o calvário de uma rainha (1956), rodado na França por Jean Delannoy, com Michèle Morgan no papel-título: se bem me lembro, a última cena da realização de Delannoy é a cabeça de Maria Antonieta no momento em que a guilhotina a decepa.
Por
Eron Fagundes