10
de outubro de 2005
O
flutuar do desejo reprimido que surge quando a adolescência
e a maturidade deparam uma com a outra é o
assunto perturbador do filme argentino Menina
santa (La niña santa; 2004), de Lucrecia Martel.
Realizadora do aplaudido mas insosso O pântano (2001), Lucrecia evolui em seu novo filme para um
cinema angustiado e surdo, cheio de tensões
latejantes que nunca chegam a explodir inteiramente;
a forma do desejo que se vai manifestando na adolescente
Amália depois de ser discretamente apalpada
no meio de pessoas pelo médico madurão
e a resposta esquiva que o madurão dá ao
irromper do desejo da jovem são tratadas por
uma narrativa aguda, que nunca se rende às
soluções fáceis e vai semeando
inquietações no espírito do
espectador.
Lucrecia
utiliza a perturbada religiosidade de província
como contraponto ao nascer do sexo; sexo e Deus travam
suas lutas no interior da menina de dezesseis anos
que passa a desejar obscuramente o doutor. Em alguns
momentos a cineasta atinge a perversidade do realizador
espanhol Luis Buñuel, que costumava brincar
com os resultados grotescos da fusão religião-desejo;
no lugar do humor elaboradamente ferino de Buñuel,
uma tragicidade pulsante invade a tela, uma latinidade
certamente contida mas inesperadamente tempestuosa.
Menina
santa aponta para um final onde provavelmente o médico será acusado, durante o congresso
do hotel, de abusar da garota. No plano final, a
menina e uma amiga bóiam tranqüilamente
na piscina do hotel. O filme suspende-se por aí:
o drama do médico acusado de abuso sexual é uma
elipse. Que permite a Menina santa atingir melhor
os nervos do observador.
Por
Eron Fagundes