12
de dezembro de 2005
O
refinamento britânico do estilo de filmar do
cineasta inglês Michael Radford aparece de
forma imponente em O mercador de Veneza (The merchand
of Venice; 2004), adaptação de uma
peça de William Shakespeare pouco conhecida;
ele capricha em todos os recursos de interpretação,
composição de cenários, iluminação
e enquadramentos para reconstituir a Veneza do século
XVI descrita pelo dramaturgo inglês com aquele
brilho verbal que todos conhecemos e tem atravessado
os séculos apaixonando leitores e espectadores
(os de teatro e os de cinema).
Radford
permanece nos limites dum cinema acadêmico
(como aquele de Lawrence Olivier, evoquemos seu Hamlet,
1948, e diversamente do de Orson Welles, que fez
um Otelo, 1952, muito pessoal), construindo uma narrativa
lenta, milimétrica e que extrai suas novidades
especialmente de um texto cuja divulgação é escassa
e da maravilhosa harmonia do elenco onde se destacam
Al Pacino como o judeu Shylock e Jeremy Irons como
o cristão Antonio.
Sempre
se tem ressaltado a virulência anti-semita
da forma perversa com que Shakespeare esboça
o retrato da crueldade e da usura de seu judeu. Radford,
em sua encenação, envereda para os
aspectos contraditórios deste anti-semitismo,
mostrando tanto a caricatura de mau de sua personagem
central quanto as características tendenciosas
dos julgadores britânicos cristãos da época.
Radford
não faz um filme sem valores. Mas
os conceitos estéticos em torno de O
mercador de Veneza não vão
muito além.
O que está de acordo com a trajetória
do realizador, cujo maior sucesso, O carteiro
e o poeta (1994), dava contas das possibilidades e das
fronteiras a que poderia aspirar um homem de cinema
tão-somente correto.
Por
Eron Fagundes