02
de janeiro de
2005
Em
seu terceiro filme longo, Meu tio matou um cara (2004), o cineasta
gaúcho Jorge Furtado revela o desgaste de seus conceitos
cinematográficos. Baseado numa historieta do próprio
Furtado e roteirizado pelo diretor e por seu parceiro Guel Arraes,
o filme usa e abusa do estágio digital da linguagem cinematográfica,
abrindo portas e gavetas e movendo objetos com a setinha do mouse; é uma
idéia metalingüística que Furtado executa
com habilidade, mas afigura-se gratuita e vazia como tantas outras
coisas em seu novo filme.
Inegavelmente
Furtado é, do ponto de vista técnico,
um diretor de grande precisão. Poucos cineastas brasileiros
podem competir-lhe a capacidade para dirigir atores, encadeando
gestos e modulações de voz capazes de captar o
linguajar específico da juventude de uma cidade. Neste
aspecto, Houve uma vez dois verões (2002) tem mais coisas
a dizer que seu atual trabalho. Furtado sabe igualmente montar
com interesse as peças de uma história, revendo-as
depois como num jogo, mesmo que esta história apresente
tão escasso interesse em suas peças; sua película
anterior, O homem que copiava (2003), tinha mais elementos para
que Furtado fizesse brilhar seu estilo de linguagem.
Furtado
tem sido acusado de ser um superficial nato. Em seus filmes recentes
ele assume esta superficialidade, que nasce prazerosamente
da realização gaúcha em Super-8 Deu
pra ti anos 70 (1981), de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, fonte
de uma visão de juventude do cinema gaúcho que
lhe sucedeu. Mas em Meu tio matou um cara esta superfície
afunda Furtado: ele se perde no oco que é seu roteiro.
A excessiva característica plana das personagens não
resiste a uma visão que não seja ginasiana; e o
final fácil e convencional –embora pretensamente
irônico—é um sintoma da pressa do realizador
em estereotipar seus seres, facilitando-lhes a vida.
Lembro
que Furtado, nos festivais de cinema de Gramado nos anos 80,
era uma cabeça polêmica e brilhante que um dia,
diante da mesmice de certos curtas-metragem de seu amigo Nelson
Nadotti, ousou perguntar: se Nadotti, ao rodar Deu pra
ti anos 70, considerava o cinema como uma necessidade de dizer coisas
urgentes e importantes, haveria ainda esta necessidade diante
do conformismo de um curta como A voz da felicidade? Talvez Furtado
esteja precisando recuperar seus conceitos mais polêmicos
e questionar a função em sua filmografia de realizações
amorfas como Meu tio matou um cara.
Acresce
que aqui Furtado repete, em tom menor, certas fórmulas
que deram certo em O homem que copiava: a sensualidade televisiva
de Luana Piovani neste filme tem seu correspondente em Meu
tio matou um cara na presença pretensiosa, torta, deslocada
de Deborah Secco como a risível mulher fatal que gerou
o crime-centro da narrativa.
Por Eron Fagundes
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