31 de outubro de 2006
Em seus anos de televisão Daniel Filho aprendeu que as imagens são efêmeras e não tem importância. A memória visual da mídia está lotada; não há muita coisa a fazer senão despejar imagens óbvias como quem evacua; o alimento da televisão é o dinheiro e geralmente as imagens saem como fezes. Nada contra as fezes: elas são necessárias. Mas, por favor, não façam passar as fezes por guloseimas: a imagem não fecha. Ou seriam as fezes chocolate, como se diz que é com este doce que os cineastas representam os excrementos que as personagens estão a comer em filmes escatológicos?
Meu assunto de hoje: Muito gelo e dois dedos d’água (2006), o novo filme de Daniel Filho, ex-bom ator (seu desempenho em Romance de empregada, 1987, de Bruno Barreto, é uma destas coisas fixas em minha retina cinematográfica), cineasta com habilidades para rechear uma história (seu A dona da história, 2004, era agradável de ver e driblava as superficialidades de direção de Daniel, logrou enganar-me, confesso), é um exemplar bem acabado da futilidade da gente da televisão transposta para o cinema. Daniel fez seu filme de amigos da cara rede de televisão nacional; no fundo, é uma obra tão doméstica quanto aqueles caseiros Super-8 gaúchos a que assistíamos na década de 80 em Porto Alegre. A diferença é a conta bancária, mas também o fato de os Super-8 sulinos, desamarrados da indústria, exporem um sopro de liberdade que falta ao esqueminha cerrado e clichê de Muito gelo e dois dedos d’água. Daniel utilizou o roteiro primário de Alexandre Machado e Fernanda Young sem dar-lhes o gabarito cinematográfico que, sei, Daniel saberia impor à história se estivesse interessado em ultrapassar o acanhamento da proposta; certos ridículos e falta de jeito das situações se acentuam na debilidade dos intérpretes, esforçados, comunicativos dentro de seu padrão, mas frágeis como atores. Paloma Duarte, Mariana Ximenes e Thiago Lacerda perfazem um caminho de interpretações escolares, destoadas; dói ver uma atriz como Laura Cardoso submeter-se ao vexame de suas parceiras; depois da vingança que as netinhas planejam e executam contra a avó, caberia ao espectador a tréplica, elegendo Laura como modelo para as eternas aprendizes Paloma (que não faz bem jus à sua descendência) e Mariana (que é pior que Paloma).
É certo que Daniel Filho estaria cagando e andando para espectadores como eu. No que faz bem. Se tudo no mundo do cinema pode ser efêmero, vamos ganhar dinheiro (também efêmero) exacerbando nesta efemeridade.
Por
Eron Fagundes