23
de agosto de
2004
Plasticamente
e mesmo como possibilidade reflexiva, Mulher-gato (Catwoman;
2004), dirigido nos Estados Unidos pelo francês Pitof, é bastante
mais ousado que todos os filmes recentes extraídos das
histórias-em-quadrinhos. Ainda que tenha lá seus
compromissos comerciais, embora ao que se diz fracassou inicialmente
nas bilheterias, a narrativa apresenta uma galeria de símbolos
ao lado da aventura que a coloca numa ponte de meditação
sobre a rebeldia feminina quando decide enfrentar a prepotência
dos homens e da sociedade. A protagonista, originalmente uma
obscura funcionária duma indústria de cosméticos,
passa a alçar vôo felino (material e simbolicamente)
quando, ao morrer (sete vidas tem o gato era o título
de um antigo alemão), incorpora a alma e o corpo de um
gato, um animal doméstico mais irreverente que o submisso
cão, por exemplo; desde a apresentação dos
créditos de abertura, certos desenhos cenográficos
muito bonitos expõem o gato como um animal diferente,
chegando ao antigo Egito em que o bichano era considerado como
um ser sagrado.
A
atriz negra Halle Berry, cujo talento o espectador já pôde
deparar em A última ceia (2001), de Marc Forster, onde
ela contracenava com Billy Bob Thornton em algumas seqüências
bastante quentes, é uma convincente mulher-gato que é também
uma mulher gata (é bem verdade que, entre meus familiares
e meus amigos, tenho fama de me deixar atrair por mulheres negras,
mas espero não estar sendo parcial ao julgá-la
o átomo do filme). A luta de Halle com Sharon Stone (que
vive a vilã) no fim só é salva de seu incômodo
clichê graças ao esforço das atrizes e à encenação
brilhante de Pitof; a quarentona Stone, ao emprestar à sua
personagem a experiência dura da meia-idade, dá mais
veracidade a uma história surrealista e necessariamente
fantasiosa.
É
claro que, não fossem as necessidades comerciais da produção,
Mulher-gato poderia ir mais longe em suas leituras paralelas.
De qualquer maneira, perto do despenhadeiro formal de Hellboy (2004), de Guillermo del Toro, a plasticidade do filme de Pitof
adquire contornos irradiantes.
Por Eron Fagundes
|