DE FERNÃO AOS SCHÜRMANN: UM CALEIDOSCÓPIO CULTURAL DA TERRA
 

 

02 de maio de 2007

David Schürmann, um dos filhos criados no mar, dirigiu O mundo em duas voltas (2007), um documentário que é um diário cinematográfico onde a família Schürmann (Vilfredo e Heloísa, os pais, Pierre, Wilhelm, David e a pequena adotada, Kat, que morreria de AIDS genética logo após a viagem e as filmagens) decidiram refazer mais ou menos o mesmo trajeto que no começo do século XVI o português Fernão de Magalhães, às expensas do rei espanhol, executou para descobrir um novo caminho para o Oriente, contornando o extremo sul americano e chegando à Àsia. Enfim, na prática se confirmava a teoria louca de Galileu: a terra é redonda. David, diretor e filho, é suficientemente objetivo e discreto para colocar seu narrador cinematográfico em segundo plano e estabelecer esta autêntica visão de mundo nos olhos do pai Vilfredo (cujas anotações de diário são o centro do filme), da mãe Heloísa e de sua pequena irmã Kat, a quem o documentário é comovidamente dedicado nos créditos finais.

Emocionante e preciso em todas as linhas de sua condução narrativa, digamos assim, O mundo em duas voltas é, para além de um belo filme, um evento etnográfico de rara importância. Com humor e paixão, David, o cineasta, e sua família-protagonista observam cinematograficamente o delirante caleidoscópio cultural do mundo. Se o velho Fernão enfrentou um universo selvagem, primitivo, onde veio a morrer como tantos outros de sua excursão antes mesmo de concluir sua ousada viagem-sonho, os Schürmann se deslumbram com coisas como as cores da Polinésia e o caos turístico da ilha onde outrora Fernão perdeu a vida em batalhas cruas contra silvícolas. Confrontando as duas viagens, a de Fernão e a de Vilfredo e família, costurando as imagens com dois diários de bordo, o do escrivão de Fernão e o de Vilfredo, O mundo em duas voltas nos faz navegar sempre e finalmente desembarcar, como os Schürmann, na pátria onde estão os entes que amamos.

Mais ligado aos aspectos densamente humanos, sem abdicar do prazer formal das imagens de viagens, O mundo em duas voltas resolve melhor os conflitos entre documentário de terras longínquas e capacidade emocional que aquilo que vemos em Extremo sul (2005), produção gaúcha dirigida por Mônica Schmiedt e Silvestre Campe, um cinema-alpinismo rodado na Patagônia, por sinal um dos muitos cenários por onde o filme dos Schürmann passou.

Por Eron Fagundes

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