31
de maio de
2004
A paixão
de João Máximo por música e por cinema está muito
clara em A música do cinema (2003), lançamento
da editora Rocco, um ensaio em dois volumes que fala das duas
artes quando aplicadas a um filme. Composto com requintes absolutamente
literários, em frases longamente entrelaçadas por
uma sintaxe cuidadosa, o texto de Máximo se vai aproximando
simbolicamente duma peça sinfônica cheia de motivos
diferentes e idênticos; sua exaustiva pesquisa jornalística
(assombrosa muitas vezes, capaz de mexer alucinadamente com a
memória do leitor-espectador) não impede que suas
orações alcem vôos poético-estéticos
dignos do tema, que são as partituras cinematográficas
como arte.
“Since
you want away (Desde que partiste; 1944) pode ter envelhecido.
Outras guerras, outras ausências, outras perdas foram vividas
pelas famílias americanas depois daquelas. Tão
outras que muito da paixão e do heroísmo que mantiveram
unidos Ann Hilton, as filhas Jane e Bridget, a criada e os amigos
mais chegados desapareceu em algum momento dos últimos
cinqüenta anos. Mas a música criada para ele por
Max Steiner (1888-1971) é das melhores e mais representativas
de sua obra.”
Munido
de grandes conhecimentos musicais e cinematográficos,
Máximo vai alinhavando uma série de conceitos sobre
o assunto que nunca deixam de fascinar. Apaixonado pela utilização
da música no cinema, o autor não perdoa ao cineasta
japonês Takeshi Kitano o descaso com que trata a musicalidade
em seus filmes: lança diatribes contra as declarações
de Kitano de que a música no cinema é desnecessária.
Todavia, Máximo sabe compreender por que Alfred Hitchcock
dispensou a música no antológico Os pássaros
(1963); e seduz-nos ao mostrar a indissociabilidade entre imagem
e som na cena do assassinato no chuveiro em Psicose (1960), nervosos
acordes de violinos representando os golpes sofridos por Janet
Leigh de seu agressor.
São curiosas as diversas maneiras como um diretor de cinema
vê a música na faixa sonora de um filme. Eric Rohmer,
francês, cineasta da palavra e da alma, abdica da música
em seus filmes; mas há alguns anos escreveu um belo ensaio
sobre música. Já li de documentarista que julga
ter de eliminar a música porque não haveria como
explicar a inserção dela num filme de realidade
a não ser que ela estivesse dentro da cena, da narrativa
(música diegética). No entanto, certas associações
entre diretores e músicos no cinema (Bernard Herrman—Hitchcock,
Nino Rota—Fellini) tornam inseparáveis certos filmes
de suas músicas de fundo; que obras cinematográficas
teríamos se não fossem os acordes que sustentam
suas imagens?
Não importa que o leitor possa discordar aqui e ali de
Máximo, como quando ele impõe reservas ao absolutismo
de Stanley Kubrick para usar Beethoven em certas seqüências
de Laranja mecânica (1971), a mais alta sensibilidade musical
a serviço dos baixos instintos humanos de sexo e violência.
O que atrai em A música do cinema é um estudo amplo
e acurado da necessidade musical do cinema; necessidade que se
transmite ao próprio livro de Máximo, uma estrutura
musical para pensar sobre o cinema.
Por Eron Fagundes
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