AS PALAVRAS MAL FILMADAS, OU UMA NOITE VAZIA
 

 

24 de agosto de 2007

As primeiras imagens de Na cama (2005), do chileno Matias Bize, são feitas de sombras e sons; os sons (gemidos) procuram simular um ato sexual, as sombras pouco a pouco se convertem em partes dos corpos dos amantes que se agitam numa cópula, a câmara de Bize sai da parede (as sombras) para se deter na cama (fragmentos de imagens, planos curtos, quase abstratos, de conteúdo mais insinuado do que definido). Lembro que Maria (2005), do norte-americano Abel Ferrara, também começa assim, agitando sua câmara em planos curtos de pouca definição do que se está vendo, uma tensa e incômoda obscuridade formal; mas onde Ferrara executa com desorientadora inquietação suas insinuações, a longa seqüência de sexo não-mostrado mas evidente de Na cama aborrece por sua obviedade e falta de outras nuanças que não uma curiosa pornografia sonora.

Bize tenta o desafio de encerrar seus protagonistas numa noite num quarto de motel para que eles possam revelar-se apesar das características passageiras da relação a que se estão entregando (por pistas do diálogo, deduz-se que eles se encontraram num bar da noite). A teatralidade da encenação não é bem resolvida pela direção de Bize, a quem faltam recursos fílmicos para estabelecer melhor o interesse do espectador. Como num filme do francês Eric Rohmer, a dialogação constante acaba por tomar conta da narrativa; mas Bize filma mal as palavras, não tem a habilidade de Rohmer para inserir a “literatura” no seio dos outros elementos do cinema. Há alguns poucos silêncios e interstícios de incomunicabilidade, que poderia remeter ao italiano Michelangelo Antonioni; mas Bize filma igualmente mal os silêncios, não têm estas imagens de silêncio sequer a sombra da tortura metafísica de Antonioni. Todas as cenas de sexo (não são muitas, pois a palavra ocupa mais o centro estrutural do filme, mas apresentam sua voracidade) obedecem ao padrão de meias imagens (pedaços de imagens, planos curtos) da cena inicial, só de sombras e gemidos. Mas também o sexo é filmado por Bize sem a veia erótica ou criativa do italiano Bernardo Bertolucci ou do japonês Nagisa Oshima.

Os atores centrais, Blanca Lewin e Gonzalo Valenzuela, se esforçam por dar credibilidade dramática ao projeto. Mas as trocas estabelecidas entre as personagens se esvaem numa angústia passageira da imagem, como é passageira e sem sentido a relação entre um rapaz e uma moça que não se conhecem durante uma noite num quarto de hotel; diversamente do que ocorre em O último tango em Paris (1972), de Bertolucci, a experiência carnal se esvazia para dar lugar a uma troca sentimental que envereda pelo conformismo; e ainda aí, nesta lamentação do passageiro e do gratuito, faltou a Bize a mínima carga dramática para envolver o observador, mesmo que seu filme aspirasse ao cerebralismo.

Talvez para o cinéfilo a cena mais curiosa seja aquela em que o rapaz refere vários filmes, agrupando-os por um determinado modelo estético e estabelecendo para os espectadores de determinada estética a mesma classificação dada para os filmes. Na noite vazia de Na cama sobra esta auto-referência ao cinema. A que estética pertence Na cama?

Por Eron Fagundes

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