O SISTEMA CONTESTADO: O SISTEMA EMBUTIDO
 

 

14 de abril de 2008

O realizador norte-americano Sean Penn dá sua versão do que seria o homem natural no filme Na natureza selvagem (Into the wild; 2007), extraído dum livro de Jon Krakauer por sua vez inspirado na aventura americana até o Alasca do jovem Christopher McCandless. Este jovem criado numa “natural” família pequeno-burguesa decide, logo após sua formatura onde se espera da juventude que dê rumo a uma carreira, desrumar-se pelo interior da América com o objetivo de chegar ao Alasca; o que o protagonista é em cena é o vagabundo natural e livre, desafiando com sua naturalidade as convenções da sociedade.

O filme é dividido em capítulos, revelando ali suas origens literárias, e a voz-over da irmã da personagem central é uma segunda narradora (ou ponto de vista) da história, criando outros laços emocionais na trama. Se Penn filma com bravura e sensualidade os planos da natureza, é verdade que as costuras dos elementos narrativos às vezes se dispersam e ele incide freqüentemente em soluções melodramáticas e convencionais de cinema; se não chega a comprometer o espetáculo, compromete o sentido crítico da realização, mesmo que o filme se queira impor como um evento emocional ou sensorial.
Outro dado mal elaborado do enredo do filme são as relações familiares deste vagabundo que agora quer viver sem raízes. As explicações dos problemas conjugais de seus pais para o comportamento radical do garoto são de superfície e bastante opacas assim como se situam no roteiro: quase uma psicanálise de botequim. Este dado ajuda o espectador crítico a ver o filme assim: trata-se duma visão do sistema social contestado, mas o próprio filme, por seus aspectos formais ou soluções temáticas, se embute no sistema criticado. Isto não quer dizer que Na natureza selvagem não tenha seus valores, que se situam muito mais na boa-vontade americana de filmar, que Penn segue com certa fidelidade. Quer ser contestador (e até certo ponto o é), mas faltou a revolução do grande salto.

É curioso também observar como o ator central Emile Hirsch se parece muito com Leonardo Di Caprio: esta sombra persegue a personagem no filme. A direção de atores de Penn é um dos trunfos do bem-feito da película; como pais do garoto, Penn conta com os experientes e expressivos Marcia Gay Harden e William Hurt.

Sem a força hipnótica do alemão Werner Herzog em O sobrevivente (2006), Penn faz de Na natureza selvagem um exercício de dignidade mas sem grandes vôos.

Por Eron Fagundes

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