UM DISTANCIADO RIGOR ESTÉTICO
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18 de julho de 2005

A influência mais evidente que recai sobre Ninguém pode saber (Dare mo shiranai; 2004), filme rodado pelo japonês Hirokazu Kore-eda, é a do estilo de filmar do maior dos realizadores nipônicos, Yasujiro Ozu. Como Ozu, Kore-eda contempla o cotidiano com absoluta obsessão e criando uma transparência dos objetos cênicos em que a objetividade da visão cinematográfica é extremada; curiosamente uma total ausência de símbolos aparentes vai adquirindo uma abstração narrativa inesperada, que Kore-eda exacerba com uma modernidade desconhecida do cinema clássico de Ozu.

A linguagem profundamente oriental de Kore-eda é um dado, mas não impede que o filme se comunique bem com o espectador ocidental, seu tema básico (a infância marginal e desamparada) é nosso cotidiano e Kore-eda dirige com sensibilidade seus atores mirins, no que evoca o francês François Truffaut. No entanto, deve-se observar a opção estética rigorosa do cineasta, que se debruça longamente sobre os gestos triviais de suas personagens; todas as insignificantes ações das criaturas do filme são minuciosamente vistas, os planos se demoram numa mão qualquer que equilibra despretensiosamente um brinquedo, o vagar é elemento constante da narrativa. Um rol de coisas comuns, eis no que se transforma aos poucos a realização de Kore-eda. Este vagar aqui e ali se torna dispersivo, distende inconsistentemente o tempo narrativo: faltou a Kore-eda o trampolim estético que fez de Ozu um gênio do cinema.

Os diálogos de Ninguém pode saber se situam num campo perdido entre os silêncios que habitam o filme. São excertos de um mundo desolado. Os quatro filhos abandonados pela mãe que têm de sobreviver a duras penas na selva civilizatória encenam diante das câmaras de Kore-eda um drama amargo mas distanciado apesar do apelo melodramático que seu assunto poderia conter.

Cheio de sutilezas e entrelinhas na maneira como expõe suas observações, Ninguém pode saber não logra atingir plenamente seus efeitos ao buscar o distanciamento em que o japonês Ozu e o francês Robert Bresson são insuperáveis.

Por Eron Fagundes