No tempo da ditadura

Corria o verão de 1973 e um jovem gaúcho do interior  - dezoito anos incompletos -, recém-chegado a Porto Alegre, entrava por acaso no cinema São João, situado na avenida Salgado Filho, para ver Toda nudez será castigada (1973). Meu conhecimento cinematográfico era quase nulo na época e então eu preferia debruçar-me sobre livros; o filme de Arnaldo Jabor permanece em minha memória como um soco no estômago, especialmente a frase que uma mulher de vida airada diz ao velho que a quer possuir (“Só casando!) e pelas caracterizações debochadas e fortes de Paulo Porto e Darlene Glória.

O lançamento em DVD desta realização clássica do cinema brasileiro, uma das mais brilhantes transposições do universo teatral de Nelson Rodrigues para a tela, permite esta evocação nostálgica. E serve para que minhas lembranças coloquem aquele jovem alienado de interior no coração de um momento histórico: a ditadura militar fechava o cerco sobre o cinema e retirava de cartaz diversos filmes considerados como perigosos para a  ordem social e política do país; entre estes filmes, o atrevimento desbocado da película de Jabor era a representação brasileira. Consegui ver Toda nudez será castigada, numa tarde quente do cinema São João, antes que a noite da ditadura cobrisse de sombras a nudez de Jabor-Rodrigues. 

Por Eron Duarte Fagundes