03 de setembro de 2007
A cineasta indiana Mira Nair chega a uma evolução cinematográfica surpreendente em Nome de família (The namesake; 2006), uma crônica de formação tão precisa e rica em detalhes que a faceirice visual de superfície de filmes como Kama Sutra (1996) ou Um casamento à indiana (2001) não poderia fazer prever. É bem verdade que um certo conservadorismo indiano ainda incomoda nos fios narrativos de Nair; mas ela se supera porque soube adicionar à sua feitura fílmica duas influências estéticas notáveis: uma são as suas leituras do escritor russo Nicolai Gogol; outra são as pegadas de crônica familiar do japonês Yasujiro Ozu.
No começo do filme um jovem está lendo Gogol pouco antes de se acidentar dentro dum trem, quase perdendo a vida no acidente. Mas não é propriamente a história deste jovem que a realizadora vai contar. É a história de formação do filho deste jovem, pois este jovem cresceu, casou, foi para os Estados Unidos com sua mulher indiana, teve um filho e uma filha, deu ao filho o nome de seu escritor favorito, Gogol. Os choques culturais na América e as difíceis relações entre o pai e o filho são o objeto da por vezes cândida câmara de Nair, que pode resvalar na ingenuidade mas nunca deixa de emocionar o espectador; a figura do Gogol histórico, um homenzinho excêntrico, mas um gênio literário, aparece muito bem como elemento narrativo de Nome de família, não é, como sói acontecer muitas vezes no cinema, um fricote figurativo ou uma pretensão de dar dignidade artística a um meio industrial, está mais além, na estrutura do filme, que é um pouco gogoliana. A frase clássica de outro escritor russo, Dostoievski, falando de Gogol, embora o filme oculte a origem da citação, é dita pelo pai ao filho pelo menos duas vezes na montagem do filme: “Todos saímos do capote de Gogol.” Certo: Dostoievski se referia à grande literatura russa do século XIX. Um observador literário de hoje diria que toda literatura ocidental dos séculos XIX e XX nasceu dali, do capote. Mas talvez o pai do garoto quisesse significar que o homem moderno, ocidental, nasceu do capote: Gogol inventou o ser humano tal como o concebemos hoje. Nair reverencia admiravelmente esta idéia ao debruçar-se sobre o que ocorre entre um pai e um filho em seu filme.
De Ozu vislumbramos em Nome de família as visões de trens, casarios, roupas no varal e alguns esporádicos planos-rente que Nair imita com seu próprio senso cinematográfico. Uma bela crônica de formação onde as dores ensinam a viver melhor, eis o que em seu conceito mínimo é este trabalho de Mira Nair.
Por
Eron Fagundes