01
de novembro de
2004
Na
década de 60 do século passado, cada filme realizado
pelo franco-suíço Jean-Luc Godard era um acontecimento:
pressentia-se ali a revolução cinematográfica
em seu maior grau de pureza. Depois a vitalidade jovem de seu
cinema foi transformando-se, envelhecendo naturalmente. O cineasta
aparentemente permanece o mesmo iconoclasta de sempre, incapaz
de qualquer laivo da narrativa convencional e apegado a um jeito
intelectual de filmar em que as citações (ironizadas
pela ensaísta norte-americana Pauline Kael: “como
se acabasse de ouvir falar dessas belas idéias e quisesse
partilhar com o mundo seu entusiasmo.”) abundam. Mas alguma
coisa se dissolveu quando comparamos seus trabalhos mais antigos
com os atuais. Amar Godard pode ser hoje um anacronismo e um
enfado, sentimentos dignos de um espectador intelectual: estudantes
universitários e analistas bibliotecas.
Em
Nossa música (Notre musique; 2004), um Godard recém-saído
do forno que chega a Porto Alegre numa breve mostra do cinema
francês contemporâneo na Sala Guion Center, Godard
parte da estrutura dantesca da comédia (dividindo seu
filme em Inferno, Purgatório e Paraíso) para cada
vez mais mergulhar em abstrações fílmicas
tão brilhantes quanto gratuitas. Godard segue fascinando-nos
com sua criatividade, nascida de seu desprezo pelas convenções
narrativas. Se em seu filme anterior, o extraordinário
Elogio do amor (2001), Godard debochava das produções
comerciais de Hollywood aludindo a Steven Spielberg, um ícone
do cinema de entretenimento, em Nossa música ele zomba
do cinema clássico referindo-se a Howard Hawks: mostrando
duas fotografias duma película de Hawks, um plano de um
homem e um contraplano de uma mulher que na verdade são
o mesmo plano onde o realizador ianque revela, segundo a tese
de Godard, que não sabe distinguir um homem duma mulher,
Godard na verdade quer dizer que Hawks não tem sutileza
cinematográfica; e isto, para Godard, é mortal.
Irregular,
tortuoso, mas eternamente genial, sem atingir as formas apaixonantes
de um Godard em seu estado de graça, Nossa
música não deixa de ser bom de ver e de ouvir.
Ainda que aqui e ali você se enfade da petulância
do gênio e tema que ser chamado de anacrônico.
Por Eron Fagundes
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