TÃO LONGE DA SANTIDADE
 

 

16 de junho de 2007

Fábio Barreto é um diretor de cinema do centro do país que tem demonstrado um certo fascínio pelas ambientações gaúchas. Depois de O quatrilho (1995), extraído do romance homônimo do escritor caxiense (embora nascido em São Francisco de Paula) José Clemente Pozenato, e de A paixão de Jacobina (2002), que se originou da narrativa romanesca de Videiras de cristal, do igualmente gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, Barreto voltou ao sul do Brasil para rodar uma história que gira em torno do santuário de Caravaggio, situado na cidade serrana de Farroupilha, no Rio Grande do Sul: Nossa Senhora de Caravaggio (2007) é o filme que resultou deste novo interesse gaúcho de Fábio e teve uma produção acidentada, começando em 2002, sendo exibido preliminarmente em Gramado em 2005 e chegando à feitura final nesta montagem que agora, em 2007, bate nas telas brasileiras.

Para nós gaúchos é pena que Barreto tenha olho vesgo para o cinema: suas narrativas estão sempre fora de tom e as características caricaturais de sua direção estão mesmo no jardim da infância da escola de cinema. Fábio é bem menos seguro em seu contar histórias que seu irmão Bruno, embora Bruno também não seja lá aqueles mundos: há situações fílmicas constrangedoras em Ciaxa Dois (2007), de Bruno. Mas Nossa Senhora de Caravaggio ultrapassa os limites do constrangimento e circula por interpretações toscas mesmo, voltando a uma pré-história da maneira de falar (e de expressar-se) do cinema brasileiro: escolhendo mal seus atores (Luciano Szafir como o chefe de família bêbado que se regenera artificialmente no final é um desastre, Cristiana Oliveira é uma atriz sem força dramática para caracterizar uma santa), Fábio afunda-se juntamente com seu elenco: salvam-se certos intérpretes secundários na trama, como Araci Esteves e Dora Pellegrino, a cujos papéis elas emprestam uma certa curiosidade.

Certas coisas do roteiro são um pouco tolas e desfuncionais, como a aproximação do velho motorista de madame com a protagonista: soa artificiosa esta cantada do homem maduro para a jovem mãe de família e não rende nada. A recomposição familiar que encerra o filme, na igreja, no dia da festa, surge diante do espectador de maneira  abrupta, como se o filme não soubesse como desenvolver a parte final da narrativa.

Os devotos da senhora de Caravaggio, cuja romaria eu muitas vezes tenho acompanhado a pé de Caxias do Sul ao santuário nestes últimos vinte anos, mereciam um tratamento cinematográfico mais apurado. Muitas vezes me tenho emocionado ao visitar aqueles cenários e aquela gente de fé; mas o filme de Fábio Barreto não logrou capturar aquela emoção popular e transmitir ao observador.

Creio que o realizador pretendia converter em imagens cinematográficas o coeficiente de santidade que pode haver num local e em determinadas pessoas. Falhou, todavia. Não tem, por exemplo, a milésima parte da centelha do sueco Ingmar Bergman, que em Sarabanda (2003) revolucionou a religiosidade no cinema ao jogar Liv Ullmann entre um feixe de luzes e a intensidade dum vitral de santos numa igreja. Fábio tentou várias vezes ao longo de sua narrativa criar um clima santo para seu filme, mas o talento não o ajudou.

Para complicar um pouco mais, o cineasta articulou duas narrativas estanques: um filme de época que se passa em Caravaggio, Itália, quando Joaneta viu Nossa Senhora; e um filme que se passa no início do século XXI em Farroupilha, serra gaúcha, quando Angélica, outra sofredora, tem suas visões de Joaneta. Não se sabe em que Fábio foi pior: se em sua reconstituição histórica, se em sua tossida crônica religiosa contemporânea.

Por Eron Fagundes

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